As reflexões de André Lara Resende

Por Milton Wells

André Lara Resende foi um dos economistas formuladores do Plano Real. Neto do professor de gramática e memorialista, Antônio Lara Resende, e filho do jornalista e escritor, Otto Lara Resende, ele se voltou às letras. Como leitor, ampliou seus interesses para a questão ambiental, a filosofia, a psicanálise e a questão urbana.
No ano passado, ele publicou Os limites do possível – A economia além da conjuntura (Cia. das Letras), em que viaja em seus temas preferidos, entre esses a questão do Estado e a defesa da qualidade de vida. Nesse Devagar e Simples (Cia das Letras), lançado neste ano, ele retorna com toda a sua erudição e inteligência para a satisfação de seus leitores.
Em seus artigos, entre outros temas, ele reflete sobre o crescimento econômico como imperativo, especialmente como condição necessária e suficiente para o bem-estar. Outra de suas constatações é de que o investimento em equipamentos e na produção de bens não é mais a chave do crescimento, nem da criação de valor. A chave da criação de valor transferiu-se do investimento físico para a imaginação e a criatividade. Entretanto, as repercussões dessas transferências ainda não estão claras. Os pessimistas avaliam que haverá menos emprego, sobretudo para os menos qualificados, e maior concentração de renda e riqueza, com implicações sobre a coesão social, o que pode vir a ameaçar a própria democracia. Os otimistas sustentam que, ao contrário, estamos à beira de uma nova e libertadora revolução tecnológica. Todos terão cada vez mais acesso gratuito à informação, ao conhecimento, à educação e ao entretenimento.
Um tema de grande atualidade em sua última obra é o cada vez maior descrédito dos políticos. Resende argumenta que essa crise é grave e tem raízes profundas. Toda a tentativa de circunscrevê-la à esfera do estritamente político, às circunstâncias, ou a um quadro institucional específico subestima a gravidade da questão e levará, de forma inevitável, a conclusões incompletas.
Outra reflexão é de que o progresso tecnológico e os avanços da ciência da idade moderna poderiam, em princípio, nos aproximar do que todas as épocas ansiaram, mas só acessível ao pequeno grupo da elite. Os avanços da ciência e da técnica seriam, na verdade, uma vitória de Pirro. Confrontamo-nos com a perspectiva de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho. Nada mais aterrorizante do que a ameaça do desaparecimento da única atividade em que ainda é possível encontrar sentido, raciocina o autor. E como chegamos à sociedade de trabalhadores, a um mundo onde o trabalho é glorificado como a única atividade significativa? A tese de Hannah Arendt, citada pelo autor, é de que a desvalorização da politica, da vida pública, e a valorização do trabalho são duas faces do mesmo fenômeno que atinge seu ápice com a consolidação do moderno capitalismo industrial.
Com esse novo livro, André Lara Resende se consolida como um dos pensadores da atualidade mais proeminentes em língua portuguesa. O Brasil já tem o seu Montaigne.

 

 

 

 

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