ENTREVISTA: Wilen Manteli, o dom Quixote da navegação brasileira

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Aos 71 anos de idade, 40 dos quais dedicados ao desenvolvimento da navegação no Brasil, Wilen Manteli, diretor-presidente da ABTP (Associação Brasileira de Terminais Portuários), diz que o balanço do seu trabalho é positivo. Modesto, prefere creditar sua trajetória a um esforço coletivo de entidades e de empresários, mas avisa que é preciso avançar mais. “Este é um setor dinâmico”, disse à Revista Modal.

Manteli participou de incontáveis seminários, fóruns, congressos, falou com deputados estaduais, federais, senadores, ministros, presidente da República e pensa em realizar um evento de porte, convidar um bom palestrante, para “bater na mesa e acordar a turma”. Vê a si mesmo como um curioso do setor, um lutador e não um lobista. “Lobista não tem ideologia, quer ganhar dinheiro. Não conhece o setor. Vai lá, se der certo, ótimo, se não der, ótimo também”, sintetiza.

O que mais ganha de presente dos amigos é a imagem de Dom Quixote. É seu apelido. “Me orgulho. Digo para eles: sem sonhar você não vai adiante”, citando a Revolução Francesa: “Começou com três doidos e depois avançou”. Ao examinar o quadro atual, lembra que já teve dias melhores na década de 90. Depois desandou. Cutuca o comodismo de parte dos gaúchos, notadamente aquele cuja mentalidade se confunde com a de um fazendeiro, que coloca o boi no campo, manda o peão cuidar e fica na varanda tomando chimarrão.

A seguir, leia os melhores trechos da entrevista.

Por que as hidrovias não deslancham no Rio Grande do Sul?

O modal hidroviário tem muitos problemas. Não tem barco à disposição. É verdade, mas falta o quê? Montar uma política logística. É preciso parar de disputar carga com caminhão e trem e gerar carga, atraindo empreendimento. O que o empresário quer? Segurança jurídica: se vou investir, quero previsibilidade. O governo vai respeitar o contrato? Sim. Então, ok.

Hidrovia é prioridade para o governo?

Hidrovias são artérias do desenvolvimento. Basta visitar Europa, Estados Unidos e países asiáticos e ver como eles usam as hidrovias. Desde 1993 a ABTP vem batendo forte dizendo que hidrovia não é para aumentar a competição com caminhão. Nossa carga não é nada. O que são 7 milhões de toneladas (referência ao movimento de carga por hidrovias no estado)? O Rio Grande do Sul precisa de uma saída, mas até por ignorância, por desleixo do setor público e da própria sociedade, não conhecemos a importância de uma hidrovia. Já tivemos 1,2 mil quilômetros navegáveis, hoje há cerca de 700 quilômetros.

Trouxemos alemães, espanhóis, americanos, holandeses e belgas para conhecer o nosso sistema. Eles não acreditam no que veem. Um deles me disse: Ficamos aqui toda a manhã e só vimos passar uma chata. Eles queriam se associar com a gente, mas aqui no Brasil temos uma praga chamada burocracia. Eles (governo) querem ter o porto sob seu controle e ter suas vantagens.

O movimento de cargas por hidrovia aqui no estado poderia ser o dobro?

Sem dúvida, mas para isso é preciso atrair novos empreendimentos. Veja o exemplo da celulose que acrescentou um milhão de toneladas.

Há sinais de que pode melhorar?

Há e as hidrovias poderiam ser a grande saída para o desenvolvimento do estado. No Cone Sul, entre Baia Blanca e São Sebastião (acima de Santos), o único porto que pode chegar a 60 pés de profundidade é Rio Grande. Santos tem 42/43 pés, com dificuldades. E nós aqui ainda temos disponibilidade de áreas. O ideal seria ter gestão privada em Rio Grande, seja por meio de convênio, PPP ou outro modelo, de modo a ver o porto como uma atividade comercial, ganhar dinheiro, atrair carga e empresas.

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Quantos empregos seriam gerados?

Há um estudo que diz que para cada contêiner movimentado gera cinco empregos na região do porto. Quando você fala em duplicar a movimentação, significa que vai dobrar a capacidade produtiva do estado, tanto no campo, como no setor industrial, atraindo novas empresas desse pedaço do mapa que alcança a África e a Ásia. Oferecendo a eles áreas para armazenamento, terminal portuário, ficando conectado com o Mercosul. Só começa a pagar o arrendamento quando começar a funcionar. Mas vai tentar? Aparece o ministério público, a ANTAQ, SPH dizendo: isso é patrimônio público.

Qual a diferença das nossas hidrovias em relação as da Europa?

Estamos cem anos longe deles. Eles possuem centros de logísticas interligando todos os modais. A mentalidade deles é continuidade, sem esta de polarização entre capitalismo e socialismo, direita ou esquerda. Eles miram o que vai dar certo. Não há mistério nenhum fazer um contrato de arrendamento ou de concessão sério.

O Rio Mississipi também é um bom modelo para nós?

Eles possuem agência de desenvolvimento formada pela iniciativa privada e governo, com administração profissional. O governo não se mete. Três diretores percorrem o mundo oferecendo uma área de 80 km. Eles pegam o cadastro do pretendente, aprovam, e analisam o projeto que atenda a sua demanda. Pode ser a construção de uma fábrica ou de um terminal. Se faltar dinheiro, eles financiam. Eles saem na frente resolvendo todos os problemas para você se instalar lá. Não criam obstáculos, porque você vai trazer carga. E cobram o arrendamento somente após você iniciar a operação.

Como o senhor vê este movimento das Hidrovias RS?

São dois movimentos. Um local (Hidrovias RS) e outro nacional, para flexibilizar a política para exploração dos portos. Uma das bandeiras é volta da descentralização. Cada região cuida dos seus portos. Não pode fazer como antes, de criar um padrão único para todo o Brasil. Santos é diferente de Pelotas. O objetivo é ter uma unidade que gere riqueza, emprego e tributos. Estamos nessa jornada há anos. No caso do Hidrovias RS, o objetivo é buscar um modelo de agência, em que o estado fica com a incumbência de formular as políticas públicas e fiscalização, enquanto que os recursos serão gerados e administrados pela iniciativa privada, mas isso vai depender do apoio do estado e da Assembleia Legislativa.

Quais alternativas o senhor vê para o porto de Porto Alegre?

Porto Alegre tem 8 mil km de cais e não se usa 10% disso. Porto não pode servir de área essencialmente de depósito, porque custa. Precisa ter logística. Por um tempo teve um terminal de contêiner. A Zero Hora usava a hidrovia para trazer bobinas de Rio Grande. Por falta de dragagem, sem poder operar a noite e sem sinalização adequada durante o dia, a empresa que operava ali quase perdeu dois navios. A RBS tinha mais um ano de contrato, mas optou por caminhão e foi buscar a carga em Santa Catarina.

Que outras cargas o Rio Grande do Sul está perdendo para Santa Catarina?

Maçã, produtos da região da Serra, calçados, mas sabe qual é o problema: a falta de continuidade da administração pública. Entra governo, sai governo, a máquina administrativa continua igual. E quase todos os secretários de transporte não conseguem ficar até o fim do mandato, são carreiristas, saem para concorrer a prefeito ou deputado. Estes cargos são trampolins. Mas por que tudo isso acontece? Porque nós, sociedade, somos omissos. Se a sociedade não assumir a sua parte, está perdido.

Quando o senhor se queixa da omissão do setor privado junto às próprias entidades, qual é a reação?

Eu falo para eles, e as vezes me custa caro, porque é duro falar a verdade. Precisa pegar estas entidades empresariais, que são poderosas, e fazer um movimento de coalização empresarial como um grupo de pressão permanente positivo. Chegar para o governador e mostrar que temos proposta. Queremos ser o melhor estado em termos de logística do Brasil e temos condições de ser. Temos o único porto que se comunica por terra e por água e nada acontece.

O senhor ainda se sente motivado a construir um modelo de portos e hidrovias?

Aprendi muito e continuo aprendendo até hoje. Gosto do grande desafio. Não posso perder a esperança. Preciso pensar nos meus netos. Vamos tentar entregar para novas gerações algo um pouco melhor do que a porcaria que está aí. Esta é a responsabilidade. A sociedade civil e, particularmente, a empresarial, precisa assumir mais (seu papel).

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