Nem sempre notícias boas são novas ou novas são boas

Foto/Revista Modal

 Luiz Afonso dos Santos Senna (*)

A habilidade de um líder está em levar as pessoas de onde elas estão para onde nunca estiveram. (Henry Kissinger)

É atribuída a Otavio Gouveia de Bulhões, que foi um dos maiores economistas do país, uma frase que, dita após a defesa de um candidato a doutorado, assume uma dimensão dramática: “Seu trabalho possui coisas boas e coisas novas; só que as boas não são novas e as novas não são boas”.

A frase de Otávio Gouveia de Bulhões pode ser aplicada às muitas condições enfrentadas por governos e instituições no Brasil. Uma observação panorâmica de notícias recentes faz com que a frase acima permaneça atual e relevante, tanto para economia como um todo, quanto para transporte e logística.

Todo novo anúncio de ministro, secretários e dirigentes de órgãos de gestão de transportes é acompanhado de uma tensão pré-anúncio (TPA). Na expressiva maioria das vezes, os indicados possuem boas características pessoais e de competência política. Porém, estas características não são suficientes, pois na maioria das vezes não incluem os itens mais importantes: qualificação técnica e experiência na área, fatores fundamentais para gerir um setor tão complexo e ao mesmo tampo tão fundamental para a eficiência sistêmica da economia do país, dos estados e dos municípios.

Ao contrário do que possa parecer para os leigos e menos informados, as soluções de transportes precisam ter como base pressupostos científicos, técnicos e econômicos sólidos. A formação de especialistas em transportes pressupõe fortes conhecimentos de engenharia, economia, finanças e gestão. Sem isto é amadorismo puro e simples, que tem resultado em verdadeiros desastres, como têm sido o observado em vários níveis das administrações.

Muito se tem discutido o papel dos órgãos de fiscalização, acusados por atravancarem processos de concessões, PPPs e realização de obras de infraestrutura em geral. Me incluo entre os críticos dessas instituições. Porém, faço sempre ressalva e dou testemunho da má qualidade de muitos projetos e propostas do poder executivo, que muitas vezes embasam a intervenção desses órgãos. O problema é que esses órgãos, muitas vezes deixam transparecer conotações ideológicas e de julgamento de valor, sem ter por base a técnica e a legislação que os justifiquem.

Observe-se que o crescimento descontrolado dos órgãos de fiscalização (tribunais de contas, ministério público e órgãos ambientais, entre outros), se deu muito em função da fragilidade técnica e da falta de credibilidade dos tomadores de decisão do Poder Executivo. Os técnicos do governo, em sua maioria capacitados e com excelente nível técnico, sentem-se menosprezados e desprestigiados por terem como dirigentes pessoas que sequer estão familiarizados com o tema da área. Não tenho a menor dúvida de que a formação dos dirigentes em temas no mínimo correlatos é parte da falta de credibilidade que faz com que os projetos acabem não andando na velocidade desejada pela sociedade.

O mérito e a qualidade técnica deve ser sempre pré-condição para a ocupação de cargos estratégicos para a performance econômica. Aliás, surpreende-me sempre o fato dos partidos políticos não possuírem quadros especializados. Nos países em estágios civilizatórios mais avançados do que o nosso, esta é uma pré-condição.

Abdicar do mérito verdadeiro, da busca de soluções para nosso mundo real e de uma visão mais abrangente do mundo e das coisas é também abdicar do uso da inteligência para melhorar nossa sociedade. Definitivamente, a sabedoria de Otávio Gouveia de Bulhões se faz cada vez mais necessária nestes dias de confusão em que o Brasil e o mundo estão mergulhados.

Portanto, não é à toa que a rede de rodovias pavimentadas do Brasil seja ridiculamente pequena, com qualidade ao mesmo tempo insuficiente e precária. Uma evidência disso é que, dos 1,7 milhões de quilômetros da malha rodoviária brasileira, 98% é diretamente gerida pelos governos federal, estadual e municipal e apenas 2% é concedida à iniciativa privada. Apenas 12% das rodovias brasileiras são pavimentadas, números absolutamente irrisórios se comparados a outros países: o Paraguai possui 9%; Argentina e México apresentam respectivamente 26% e 36%; Índia e Canadá, países com extensões territoriais semelhantes ao Brasil, possuem cerca de 40%, e os Estados Unidos cerca de 65%. A China tem mais de 70% da malha pavimentada, boa parte delas resultado de parcerias recentes com o setor privado, e a Europa aproxima-se dos 100%. Observe-se que, embora pavimentadas, muitas rodovias ainda carecem de qualidade adequada. Os resultados de pesquisa realizada periodicamente pela Confederação Nacional dos Transportes – CNT mostra que cerca de 42% das rodovias pavimentadas são classificadas como Ótimo ou Bom em seu estado geral, possuindo adequadas condições de segurança e desempenho.

Uma questão permanente que inquieta aos brasileiros é porque razões o Brasil, no passado apontado como uma nação fadada ao sucesso, ainda não atingiu a tão esperada prosperidade. Talvez seja porque prosperidade e ignorância sinalizam em sentidos diversos. Precisamos reduzir a ignorância para obtermos a prosperidade. Transporte precisa de inteligência, conhecimento, capacidade de gestão e ousadia. Somente assim o Brasil, seus estados e municípios poderão crescer com eficiência e de forma sustentável.

Neste ano haverá eleições gerais no país. Presidente e governadores precisarão compor seus quadros dirigentes. Se a expectativa é a busca por renovação e competência, além, é claro, da obrigação básica de honestidade, nada mais oportuno do que nomear pessoas qualificadas par os cargos estratégicos.

Que as eleições nos tragam notícias novas e boas!

(*) PhD em Transportes pela University of Leeds, Pós-doutorado pela University of Oxford, Formação Executiva na Harvard University, Engenheiro Civil. Professor  Titular da Escola de Engenharia da UFRGS.

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