A infraestrutura nos tempos do imperador

Na reta final do seu reinado, o Brasil acumulava 16 mil km de ferrovias

Por Guilherme Antônio Arruda

Pouco gente sabe, mas a verdade é que D. Pedro II foi um grande entusiasta pela modernização do Brasil, qualidade mostrada de forma fugaz na novela em exibição pela Rede Globo. Se de um lado, lutava para evitar o distanciamento e o separatismo entre províncias, por outro, ele considerava que os governos provinciais deveriam competir para dotar seus territórios de estradas e ferrovias para promover a circulação de pessoas e produtos. O pouco que aparece mostra um monarca enfrentando discussões políticas regionais, a carência de mão de obra e a escassez de recursos para investir em infraestrutura do jeito que pensava.

 

Ligação marítima

Com 15 mil km de fronteira e 7,5 mil km de costa, a ideia do imperador era fazer a ligação marítima de norte a sul do país com vapores partindo das principais cidades portuárias, de Belém a Porto Alegre. “D. Pedro II incentivou o desenvolvimento de companhias marítimas com capital americano, inglês e francês, para que a frota mercante, precária no início do seu reinado, pudesse competir com as frotas estrangeiras”, escreveu o ex-magistrado e doutor em História pela Sorbonne, Guy Gauthier, no magnífico livro O Imperador Republicano (2021).

Havia outros dois interesses por trás desse propósito: fortalecer o comércio entre as províncias e facilitar os embarques de café e açúcar, dois itens de elevado valor na pauta exportadora. Em 1841, ano da sua coroação, o grau de conexão entre as províncias era insignificante, seja por terra, mar ou rios. Não havia um mercado nacional como se conhece hoje. Os portos eram precários, incluindo o da capital, Rio de Janeiro, que com frequência lutava contra surtos de febre amarela e outras endemias.

Ao longo do seu reinado, a formação da riqueza não era gerada por máquinas a vapor, comum em países da Europa e Estados Unidos e sim, pelo trabalho e suor de cativos, negros trazidos da África, cuja dependência, iniciada três séculos antes, estava sob forte ameaça devido ao movimento pelo fim do regime de escravidão. A imigração aliviou a pressão, mas os grandes produtores queriam mais: pressionavam para que as ferrovias chegassem até a porta de suas fazendas.

Comunicações em primeiro

Além do desenvolvimento da navegação, D. Pedro investiu em comunicações, primeiramente, com o telégrafo, em 1850. Em maio de 1876, conheceu Thomas Edison e Alexandre Graham Bell na Exposição Internacional de Artes, Manufatura e Produtos da Terra e das Minas, na Filadélfia. Ao primeiro, pediu que trabalhasse para o Brasil. Três anos depois, a ferrovia D. Pedro II estava iluminada. Foi o ponto de partida para o desenvolvimento da indústria elétrica.

Graham Bell lhe apresentou uma nova invenção, o telefone. E para provar a eficiência, o inventor convidou o monarca para um teste. Colocou um fone em sua mão e se retirou para um sala adjacente e de lá proferiu a frase de Hamlet: “Ser ou não ser”. Sem esconder a fascinação e o entusiasmo pelo novo objeto, D. Pedro exclamou: “Meu Deus, isso fala”. Mais tarde, o primeiro telefone foi instalado no Palácio de Petrópolis e em seguida no Palácio de São Cristóvão. Ele entendia que “o melhor uso do dinheiro público está nos meios de comunicação”.

Ferrovias

Outra aposta do Império para unir o país eram as ferrovias, o que de fato aconteceu em 30 de abril de 1854, domingo, com uma linha de 15 km ligando o porto do Rio de Janeiro (hoje porto Mauá) a Petrópolis, com a presença de D. Pedro II e a imperatriz D. Tereza Cristina. O autor da façanha foi o Barão de Mauá, exatos quatro anos após o Congresso dos EUA ter autorizado a primeira concessão de terras públicas para promover e financiar a construção de ferrovias.

Em pouco mais de duas décadas, entre 1850 e 1873, o Brasil possuía mirrados 800 km de extensão, com destaque para as linhas Cinco Ponta-Cabo (PE), Estação da Corte-Queimadas, depois, Estação de Ferro D. Pedro II e, por fim, Central do Brasil (RJ), Calçada-Paripe (BA), Santos Jundiaí (SP) e Fortaleza-Porongaba (CE). Nesse mesmo período, os EUA contavam com 18 mil km de trilhos, unindo a costa leste à oeste, com a contribuição de mão de obra de imigrantes.

Na reta final do seu reinado, o Brasil acumulava 16 mil km, incluindo as linhas Porto Alegre-São Leopoldo (RS), Sítio Barroso (MG) e Paranaguá-Morretes (PR). Em igual período, os EUA tinham uma rede quase três vezes maior que a brasileira, com 43 mil km, em função do crescimento econômico impulsionado pela produção e exportação de petróleo, aço, trigo e algodão. Um dos grandes compradores de algodão era justamente a Inglaterra.

A verdade é que o projeto de ferrovias iniciado no Império poderia ser um marco histórico de um megaprojeto de infraestrutura para cobrir o país, mas esse desejo – infelizmente – jamais foi concretizado. Em 2020, o modal contava com uma malha precária de 30 mil km de trilhos, o que pressupõe dizer que, durante 13 décadas da Era Republicana, a construção de novas ferrovias foi inferior ao volume que D. Pedro II fez em menos de quatro décadas.

A Alemanha, com área territorial similar ao do estado de Goiás, tem 42 mil km de ferrovias em pleno uso, enquanto no caso brasileiro, apenas uma pequena parcela é usada majoritariamente para o transporte de minérios e grãos. Se os trens foram “abandonados” no meio do caminho pelo rodoviarismo, é preciso uma reflexão franca sobre uma integração verdadeira com o transporte e carga por caminhões. Como lembra a frase dita pelo antropólogo, pesquisador e jornalista potiguar, Luís Câmara Cascudo (1898-1986): “O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas.”

 

 

 

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