“Ainda podemos avançar mais na participação do capital privado na infraestrutura do país”, diz Armando Castelar

 

A participação privada na operação e no financiamento da infraestrutura é reconhecida como elemento-chave na retomada do crescimento sustentado no Brasil. A falta de infraestrutura representa um grande empecilho à competitividade das empresas brasileiras e um sério obstáculo à retomada do crescimento a taxas elevadas e uma importante causa da piora do padrão de vida das parcelas mais pobres da população. Todavia, ainda existem sérios desafios a serem superados. Entre esses, estão a incerteza regulatória e a perspectiva de que as taxas de juros longas não irão voltar ao patamar pré-pandemia devido à política expansionista do governo Lula, diz nesta entrevista à MODAL o professor do Instituto de Economia da UFRJ Armando Castelar, PhD em Economia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e pesquisador do IBRE/FGV.

Leia a seguir.

 

Quais são as perspectivas do setor de infraestrutura para os próximos anos no país?

Diria que são boas em alguns sentidos, mas menos animadoras em outros. Há um amadurecimento em torno da ideia de que o setor privado está mais bem equipado para operar e investir na infraestrutura do que o setor público, e esse reconhecimento tem reduzido um pouco a incerteza regulatória e mesmo jurídica. Vemos isso no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) recém-lançado pelo atual governo, que privilegiou investimentos no setor via concessões e PPPs. Também reputo como positiva a expansão do mercado de dívida corporativa, onde as empresas de infraestrutura têm ocupado papel de destaque. Por outro lado, a incerteza regulatória não desapareceu de todo, como bem mostrada pelo esforço do atual governo de reverter o marco regulatório do saneamento. E a perspectiva de que as taxas de juros longas não vão voltar ao patamar pré-pandemia, em função da política fiscal mais expansionista do governo Lula, além dos juros mais altos no exterior, também tende a travar um pouco o investimento no setor.

Quais são os principais desafios?

Além de reduzir a incerteza regulatória, diria que há um grande desafio de equipar o setor público, em especial, de uma melhor capacidade de selecionar e estruturar projetos de infraestrutura. Citando mais uma vez o PAC, vemos que ainda há um esforço insuficiente de selecionar projetos por critérios mais objetivos, como o retorno social que trazem para o país, prevalecendo o efeito político-eleitoral de cada um.  O que a experiência internacional mostra é que projetos de infraestrutura, devido ao seu tamanho, à necessidade de amortizá-los ao longo de décadas, seu impacto ambiental e por todos os riscos envolvidos, devem ser estruturados com muito cuidado, aí incluídas questões relativas aos projetos de engenharia aos aspectos legais. A criação do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) foi um passo nessa direção, mas penso que nós ainda podemos evoluir bastante nessa área.

Qual é o impacto da nova lei de concessões no setor?

Acredito que possa ajudar a preencher algumas lacunas, consolidando a legislação aprovada nessas quase três décadas transcorridas desde a promulgação da Lei nº 8.987/1995, com isso dando mais segurança ao investidor. Mas penso que os principais gargalos no setor estão presentes mais nas questões práticas, de aplicação das normas, do que nestas propriamente ditas.

De que forma a reforma tributária irá afetar o setor?

Há uma grande expectativa de que a reforma tributária simplifique bastante a burocracia envolvida em cumprir a legislação nessa área, e os setores de infraestrutura também irão se beneficiar disso. Além disso, as alíquotas de impostos incidentes sobre alguns dos setores de infraestrutura, como eletricidade e telecomunicações, por exemplo, são muito superiores àquela que deve prevalecer após a reforma, o que também tenderia a beneficiar essas atividades, tornando mais atrativa a realização de novos investimentos.

Qual é a política pública ideal para garantir uma estabilidade no setor sem depender de contingências fiscais?

Nos setores em que o investimento é financiável por meio de tarifas, a questão fiscal é menos relevante: a solução é fazer uma concessão e entregar o projeto ao investidor privado. Nesse caso, o mais crítico é ter projetos bem estruturados e uma regulação apropriada e estável. Há, porém, muitos investimentos que são interessantes do ponto de vista social, mas não suficientemente atrativos para serem bancados apenas pelos usuários. São exemplos disso muitos projetos nas áreas de mobilidade urbana, água e saneamento, alguns dos quais inseridos no novo PAC. Nesses casos, seja porque o investimento será feito exclusivamente pelo setor público, seja porque será estruturado como uma PPP, a segurança na disponibilidade de recursos públicos nos valores e cronograma preestabelecidos é fundamental. Isso impedirá que a obra seja interrompida no meio, se for responsabilidade do setor público, e dará segurança ao parceiro privado, no caso de PPPs. Dada a forma como o orçamento público é elaborado e executado, não vejo como garantir o fluxo projetado de recursos. Mas penso que o fortalecimento de uma unidade de estruturação e monitoramento de projetos poderia ajudar, ao estabelecer uma interação mais informada e atuante com o Congresso Nacional e outras unidades do Executivo. Há, também, que se avaliar em que medida o modelo adotado na prorrogação antecipada de ferrovias, em que parte dos recursos a serem arrecadados com a outorga foi alocada ao financiamento de novos projetos no setor, pode ser um caminho para viabilizar alguns projetos, mesmo que essa alternativa tenha escopo limitado.

Qual é a sua expectativa de recursos neste ano para o setor?

Já faz alguns anos que o investimento em infraestrutura no Brasil fica entre 1,5% e 2,0% do PIB, predominantemente oriundo de projetos tocados pela iniciativa privada. Ainda que essa taxa de investimento seja insuficiente para repor o capital depreciado e promover uma adequada expansão da capacidade de prestação de serviços, e que, com o fim da pandemia, alguns projetos então represados possam ser agora implantados, não antevejo uma grande alteração no volume de recursos dedicados a projetos de infraestrutura neste ano. Mesmo quando se mira à frente, olhando os projetos do setor incluídos no PAC, por exemplo, não se veem sinais de que vá haver grande alteração nesse volume de recursos.

Como o setor pode contribuir para reduzir o percentual ruim e péssimo das rodovias que dependem de recursos públicos?

As rodovias administradas pela iniciativa privada são, em geral, de muito melhor qualidade do que aquelas sob gestão pública. Assim, o caminho, me parece, é avançar com as concessões e PPPs. Há mais apoio social a essa alternativa; a cobrança de pedágio já é mais aceita, e a legislação autorizando as rodovias de fluxo livre (“free flow”) vai ajudar a dar mais eficiência a esse processo. E, claro, se uma maior proporção dos gastos públicos for dedicada ao objetivo de melhorar as rodovias, isso também vai ajudar.

Quais são os avanços que as PPPs podem contribuir para a melhora na qualidade das rodovias?

As PPPs são uma solução para os casos em que não é possível bancar os investimentos exclusivamente com a cobrança de pedágio, seja porque o fluxo de veículos não é grande o suficiente, seja porque a população atendida teria dificuldade para pagar tarifas altas o suficiente para isso. Nesse caso, ainda é possível dar à iniciativa privada o papel central na execução do investimento e operação da rodovia e, ao mesmo tempo, viabilizar o investimento por meio do aporte de recursos públicos. Este, porém, só precisa cobrir parte do custo, visto que, ainda assim, se pode obter alguma receita com a cobrança de pedágios.

Qual é a saída para pôr fim aos desequilíbrios econômico-financeiros de contratos de obras públicas?

A melhor estruturação dos projetos. É o melhor aparelhamento dos órgãos públicos que não deixem lacunas importantes por preencher quando da sua execução.

 

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