Avanço do RS na produção de energia a partir do biogás depende de articulação do poder público e de conscientização do setor de agrobusiness, diz o especialista Luiz Fernando Tomasini

Luiz Fernando Tomasini, engenheiro eletricista e consultor em energias renováveis

Um dos três maiores estados produtores de carne suína e carne de frango do Brasil e com destaque na produção de carne bovina, além de ser  o segundo maior produtor de leite do Brasil e também o segundo maior exportador de ovos, o Rio Grande do Sul ainda patina na produção de biogás a partir de resíduos agropecuários.

Segundo dados do CiBiogás, o RS ocupa a 17° posição entre os 18 estados do país que possuem plantas de biogás em operação, com uma produção de 4,3 milhões Nm³/ano.  Luiz Fernando Tomasini, engenheiro eletricista e consultor em energias renováveis, afirma que apesar de contar com um sistema de fornecedores de equipamentos, linhas de financiamento e instituições de ensino qualificadas, o RS ainda carece de uma articulação mais forte, continuada e conjunta do governo, capaz de promover uma verdadeira alavancagem no setor.  Também pesa, segundo ele, a falta de conscientização do setor de agrobusiness do RS  no sentido de estimular a produção de energia a partir do biogás .

A seguir, veja os principais trechos de sua entrevista a MODAL:

Como vê os cenários da biomassa de dejetos animais no RS?
O RS está entre os três maiores estados produtores de carne suína e de carne de frango do Brasil, ocupando destaque também na produção de carne bovina. É o segundo maior produtor de leite do Brasil e também o segundo maior exportador de ovos. Esse posicionamento, por si só, já traduz a potencialidade energética do estado em relação à biomassa oriunda não só dos dejetos de animais, mas também das biomassas residuais originadas na sequência da cadeia produtiva da atividade. A tendência é de que o Rio Grande do Sul deverá continuar crescendo nesse setor, haja vista que a demanda por proteína animal cresce no mundo inteiro, e o estado possui tanto uma vocação para produção quanto para exportação de produtos de origem animal. Existe aqui um ambiente muito bom para o crescimento, assim como nos demais estados do sul.

Nessa linha, a tendência é de uma expansão do setor?
Acompanhando esse cenário, a geração de biomassa de dejetos e de resíduos agroindustriais seguirá aumentando. No campo, para o produtor, na medida em que a produção de animais aumenta, o manejo correto dos dejetos dos animais vai requerer maior atenção, até chegar um ponto em que se torna um grande problema. Em última instancia, impede o crescimento do seu negócio – e por vezes de uma região inteira- devido ao alto impacto ambiental de sua atividade e as exigências da respectiva legislação ambiental. Entretanto, o que é um grande problema para o produtor, pode também ser uma grande oportunidade de negócio, desde que seja criado um ambiente de facilitação e acesso as alternativas tecnológicas que já existem e também a linhas de crédito acessíveis e facilitadas para as necessidades e a realidade do produtor.

 O que falta para decolar?
Muita gente investiu, no passado, em biodigestores para tratamento de dejetos dentro de suas propriedades. A limitação da tecnologia da época trouxe prejuízos e muitas decepções para a maioria dos produtores, porque os sistemas de biodigestão eram construídos de forma artesanal e nenhuma tecnologia embarcada. Isso acabava resultando no assoreamento do biodigestor e de seu abandono. Na época, existia pouco conhecimento e nenhuma tecnologia desenvolvida para que esses equipamentos operassem de forma satisfatória, e muito menos ainda para transformação de dejetos ou outros resíduos em um “business energético”. Por isso, a péssima imagem do biogás perdura até hoje junto ao segmento do agronegócio. A realidade atual, entretanto, é muito diferente e ela precisa chegar ao conhecimento e a compreensão do produtor.

Falta articulação?

Já temos hoje no país, e até  mesmo no estado, uma cadeia de fornecedores de soluções, equipamentos e de tecnologias para o tratamento e a valorização energética de dejetos e de resíduos orgânicos, que a cada dia está mais estabelecida. Já temos instituições de pesquisa e de ensino que estão formando profissionais com boa capacitação e entendimento técnico relacionado a esses processos. Também já surgiram linhas de crédito para financiamento de projetos de biogás, que se não são ainda as ideais, pelo menos já estão à disposição de quem quer investir nessa solução ambiental e energética. Na minha visão o que falta é uma articulação mais forte, continuada e conjunta do governo, unindo associações e entidades ligadas ao agronegócio, cadeia de fornecedores, de tecnologias e equipamentos do setor de biogás, agentes financiadores, órgão ambiental.  Tudo isso a fim de divulgar as soluções e oportunidades, envolvendo a valorização energética de dejetos e de resíduos.
Como avançar?

É preciso levar a solução completa até o produtor e aos demais segmentos geradores de resíduos orgânicos, promovendo um ambiente de entendimento das alternativas tecnológicas e também de negócios a partir do biogás. Como gerar biogás de forma segura e continuada? Como conectar uma central geradora de energia na rede da concessionaria? Como garantir a comercialização do excedente da energia elétrica no mercado de geração distribuída? Como produzir e comercializar biometano? Como financiar projetos desta natureza? Qual o investimento, custos e receitas envolvidos? Nesse sentido, vejo que o papel do governo como grande promotor desse ambiente de desenvolvimento é fundamental para aceleração e alavancagem do setor de biogás no estado. É preciso acelerar e tangibilizar a política estadual do biometano e o marco legal do biogás por meio de medidas práticas, perpetuando-os como políticas de estado e não só de governo, uma vez a inserção de biodigestores e do biogás como solução ambiental e inclusão na matriz energética de forma significativa, não é tão rápida. Por fim, é preciso trabalhar outros incentivos como, por exemplo, a isenção de ICMS na cadeia de fornecimento de peças e equipamentos para o biogás (construção), bem como a ampliação da isenção do ICMS sobre a energia elétrica produzida em ambiente de geração distribuída para usinas com potência elétrica instalada de até 5MW, em substituição a atual limitação de  potência que é de 1MW. De forma semelhante ao que já foi feito no passado no estado de Minas Gerais, onde o crescimento de usinas de biogás é bem mais expressivo do que no Rio Grande do Sul.

Falta conscientização do setor?

Acho que a conscientização do setor de agrobusiness do RS para a produção de energia a partir do biogás é muito pequeno ainda. Ao contrario da energia fotovoltaica cujo entendimento já é bastante grande, uma vez que a solução já vem “empacotada” em um preço e uma geração de energia média equivalente ao m2 de placas instaladas, o biogás requer um nível de compreensão um pouco maior. Apesar de haverem rotas tecnológicas de biodigestão apropriadas para cada tipo de biomassa, um projeto de biogás é pensado de acordo com as características físicas e biológicas dos dejetos ou resíduos que alimentarão os biodigestores da usina. Outro ponto é que usinas de biogás proporcionam outras receitas ou benefícios além da energia elétrica em si, como por exemplo, o tratamento ambiental correto de dejetos e resíduos, eliminação de odores, possibilidade de geração de adubo orgânico de alta qualidade e até a possibilidade da geração de créditos de carbono em usinas de maior porte, que serve de receita complementar e ajuda na alavancagem econômica do projeto. Por ser uma termelétrica renovável, e por isso também gerar calor no motogerador ou turbina, uma usina a biogás disponibiliza potência térmica em um nível equivalente à sua potência elétrica. Essa potência térmica pode ser transformada em vapor, frio ou calor sem nenhum custo adicional após a instalação de equipamentos, ou seja, você tem o dobro da energia disponível em uma só instalação – se você tem uma usina de 1MW elétrico, você tem disponível uma usina de 1MW térmico também.

Qual o erro mais comum?
O erro mais comum na avaliação do biogás como negócio é pensar no investimento de
uma Usina de Biogás simplesmente em termos de R$/MW ou R$/KW instalado. Além dos
benefícios colocados acima, a grande diferença em termos de rendimento elétrico é que uma usina de biogás gera muito mais energia por MW instalado do que usinas solares e eólicas, pois ela gera 24 horas por dia em regime de potência máxima, inclusive no horário de ponta e sob qualquer condição climática. Dessa forma é muito tranquilo dizer que uma usina de biogás tem capacidade de operar acima de 95% das 8.760 horas do ano em regime de potência máxima, o que significa uma geração de energia 4 ou 5 vezes maior do que uma usina fotovoltaica, por exemplo, por KW instalado. Por isso minha recomendação é que as pessoas ou empresas interessadas em implantar uma usina de biogás, busquem previamente informações e assessoria de empresas e profissionais especializados nesse tipo de negócio, para escolha da melhor tecnologia e a correta estruturação técnica-econômica do projeto. Um projeto de biogás bem modelado é extremamente rentável
para o produtor.

E quanto às linhas de financiamento?

Existem varias linhas de financiamento do BNDES direcionadas a pessoas físicas ou jurídicas para equipamentos e projetos relacionados a biogás através Badesul, BRDE, e de outras instituições financeiras credenciadas que operam as linhas de financiamento do BNDES. A apresentação de um bom projeto é fundamental para a aprovação do financiamento e para uma melhor avaliação em relação ao risco do negócio – o que acaba influenciando o custo do financiamento. A garantia real acaba sendo quase sempre a melhor opção caso ela seja possível por parte do interessado.
Qual o papel do setor público
Como disse antes, acredito que o papel do setor público é fundamental para o setor do biogás no estado, uma vez que pode e deve promover um ambiente de desenvolvimento desta solução ambiental e energética no Rio Grande do Sul de forma continuada. Há muito o que fazer nesse sentido e a parte boa é que o biogás só gera benefícios positivos ao meio ambiente e a economia do estado, além oferecer um potencial de geração de renda complementar e continuada aos produtores no campo e as empresas geradoras de resíduos orgânicos. Na minha opinião o tema biogás tem sido tratado com relativa atenção no RS, embora com pouca velocidade e mobilização de alguns setores do governo. Exemplo de nenhuma velocidade é a famosa e tão aguardada “chamada pública da Sulgás” para compra de biometano, cuja espera foi de anos e com isso perdeu-se o timing de negócio de vários investidores, resultando na desistência de projetos expressivos e importantes para o estado. Tem-se debatido muito, mas de fato as coisas estão demorando demais para se tornarem tangíveis a ponto de promover uma verdadeira alavancagem desse setor. Quando se pensa em biogás deve-se ter ciência que estamos tratando de redução de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera (e desta forma contribuindo com o controle do aquecimento global), melhoria da qualidade do ar, controle da proliferação de insetos epatógenos, controle da contaminação de mananciais e do lençol freático, inserção de uma fonte totalmente renovável na matriz energética (descarbonização), geração de novos empregos, além de muitos outros benefícios diretos e indiretos. Estamos falando em desenvolvimento sustentável, condição que deve alavancar significativamente negócios, empresas, setores e regiões nos próximos anos. Dessa forma, o setor público precisa estar atento e mobilizado, independentemente de ideologia partidária. Estamos falando de interesses e compromissos com o crescimento de nosso estado através do desenvolvimento de segmentos e de regiões produtoras importantes, bem como de fazer a nossa parte para auxiliar o cumprimento de compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris durante a COP21, em relação às ações de controle da mudança climática, cujos efeitos ameaçam a todos nós.

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