Brasil tem potencial para planejar uma nova matriz energética limpa e renovável, diz Charles Lenzi, novo presidente da Abragel

Charles Lenzi, presidente da Abragel/Foto Divulgação/Revista Modal

 O setor elétrico está mudando celeremente em todo mundo graças às novas tecnologias que permitem ao consumidor um maior poder de escolha e tomada de decisões. Nessa linha é preciso aperfeiçoar o modelo do setor elétrico nacional, além de resolver questões básicas como os débitos dos geradores com o GSF (fator que mede em base mensal a razão entre a energia produzida pelo conjunto dos geradores do MRE e a soma de suas garantias físicas) e, principalmente, estabelecer condições para a construção de um ambiente de negócios favorável ao crescimento e o fortalecimento a área energética, afirma Charles Lenzi, recém-empossado como presidente executivo da Abragel (Associação Brasileira de Geração de Energias Limpas).
Em entrevista à Modal, Lenzi, lembra que o Brasil detém grande vantagem competitiva devido à multiplicidade de fontes para o suprimento de energia, o que implica, para o planejador do sistema, atender demandas regionais  com fontes de geração que representem a vocação da região, bem como evitar o risco de inserção excessiva de uma determinada fonte em um subsistema de forma a dificultar a sua operação. A seguir, leia a entrevista completa:

Os últimos leilões de energia eólica apresentaram grande supremacia dos empreendimentos do Nordeste. Dado o risco de aprofundar-se essa assimetria das fontes eólicas, principalmente, alguns setores estão defendendo a implantação de leilões regionais por fontes. Qual a sua opinião a respeito?

A Abragel é, em princípio, favorável à sistemática de leilões regionais. Entretanto, defendemos também que isso deve ser feito com base em estudos técnicos e tendo em mente uma visão de longo prazo de planejamento do sistema elétrico, sem perder o foco no preço real da energia elétrica para o consumidor final, considerando as externalidades de cada fonte, assunto este que, devido à importância, fez com que a  entidade solicitasse à Aneel, em correspondência, uma avaliação dos custos efetivos das fontes, considerando os impactos positivos e negativos e os requisitos impostos ao sistema para o seu funcionamento.  Acreditamos que todos concordamos com a ideia de que o Brasil pode planejar uma matriz elétrica limpa e renovável e, para isso, precisaremos utilizar de forma otimizada e equilibrada nossos recursos naturais e, principalmente, levar em conta a complementariedade entre as diversas fontes alternativas renováveis. Neste contexto, as PCHs têm ainda um papel fundamental a desempenhar devido ao grande potencial ainda existente.

A Aneel está recomendando uma redução na barreira de entrada do mercado livre. Como a entidade se posiciona sobre essa perspectiva?

Entendemos que o mercado deveria abrir paulatinamente. Contudo, defendemos que isso seja feito de forma a garantir uma competição isonômica. Outro ponto importante é a realização dessa abertura no momento em que existe um montante considerável de energia livre associada a empreendimentos estruturantes, que claramente receberam subsídios ou incentivos sejam nos aspectos de financiamento, sistemas de transmissão ou alocação de garantia física. A competição de pequenos geradores com esta energia é praticamente impossível. Pensamos também que é importante conscientizar o consumidor final de suas novas obrigações e responsabilidades com eventuais períodos de quarentena. Um desafio ainda significativo é estabelecer um mecanismo adequado de financiamento da expansão dos novos empreendimentos de geração voltados para o mercado livre. Esse ponto é relevante, pois a redução do mercado cativo sem a criação de uma solução consistente para a expansão, com o correto sinal econômico para empreendimentos que são intensivos em capital, pode levar a um “vácuo” de implantação e, consequentemente, à problemas de suprimento.

Como vê a discussão de custos reais na comparação de energia gerada por PCH e erada por usina eólica?

A discussão de custo é bastante subjetiva, pois  depende de parâmetros que são específicos para cada fontes. Se falarmos em custo de implantação (isto é, quanto custo para colocar uma central em funcionamento dividido pela potência, em R$/kW) as eólicas tem uma vantagem atualmente. Porém, quando olhamos do ponto de vista da sociedade, isto é, quanto custou o empreendimento comparado com a  energia que será gerada durante sua vida útil, as PCHs são claramente uma alternativa mais competitiva, isto devido ao enorme tempo de vida útil destes empreendimentos (temos PCHs funcionando que entraram em operação em 1889). Entretanto, nossa visão é de que todas as fontes renováveis alternativas (PCH, eólica, solar e biomassa) deveriam também ser avaliadas sob a ótica da complementariedade. Ou seja,  deve haver espaço para todas em nosso modelo de expansão.  Não há muito sentido levar ao extremo a comparação de custos das fontes alternativas renováveis, uma vez que quando analisadas de forma isolada levam a custos e riscos maiores do que quando se consideram essas fontes produzindo energia elétrica em conjunto. A diversidade de fontes alternativas e renováveis é um diferencial competitivo de nosso país e o sucesso de uma fonte depende, substancialmente, da nossa capacidade de planejar a expansão usando suas sinergias e complementariedades.

A Aneel recentemente admitiu que vai aprofundar os estudos sobre a questão dos subsídios a usinas eólicas e às PCHs. Como a Abragel avalia essa questão?

Achamos importante discutir o tema dos subsídios, mas olhando nosso modelo de setor elétrico como um todo. Existem situações em que uma fonte de energia, especialmente as ligadas em tensão de distribuição (menor ou igual a 138 kV), como é o caso das PCHs, da biomassa e das solares distribuídas, promove uma redução de perdas elétricas e um adiamento na necessidade de investimentos nos sistemas de transmissão e distribuição. Nesse caso o que se tem não é um subsídio e sim uma justa compensação. Para isto, entendemos que o MME deveria definir critérios claros para que a Aneel mensure esses benefícios. É preciso fazer uma avaliação criteriosa, transparente e justa de todos os subsídios existentes atualmente no setor elétrico brasileiro para que a sociedade entenda o que faz e o que não faz sentido. Em linhas gerais, todos os subsídios deveriam ser eliminados depois de algum tempo.

 

 

 

 

 

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