CBDB defende a construção de barragens como medida de mitigação de cheias e de governança para coordenar ação do Estado em eventos climáticos extremos
Presidente do Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), que reúne 51 associados corporativos e 846 associados individuais especialistas, o gaúcho Miguel Augusto Zydan Sória defende a construção de barragens como medida estrutural para a mitigação de cheias. “As barragens são estruturas úteis para o controle de cheias, porque podem armazenar água em volumes de espera, em que se atenua uma onda de cheia e se faz um escoamento regulado, reduzindo os efeitos de enchentes”, afirma. No mundo, segundo ele, existem mais de 50 mil grandes barragens, sem contar as pequenas, as quais estão contribuindo para atenuar as enchentes que teriam efeito muito pior sem essas estruturas. Sória também sustenta a importância de uma governança no governo federal para coordenar ações pertinentes a eventos climáticos extremos, que, desde a extinção do antigo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), em 1990, deixou de existir. Dono de um currículo de 24 anos na Itaipu Binacional, o engenheiro Sória, antes de embarcar para Puerto Rico, onde participará do Simpósio Internacional de Segurança em Barragens, promovido pela Comissão Internacional de Grandes Barragens (ICOLD), concedeu a seguinte entrevista a Milton Wells: A CBDB expediu, em março, uma resolução, propondo a criação de uma governança no governo federal para coordenar as ações pertinentes a eventos climáticos extremos. O senhor poderia aprofundar como seria essa coordenação? Nós percebemos que, devido a esses eventos climáticos extremos, principalmente no RS, e em outros estados, havia a necessidade de alertar a sociedade e as autoridades sobre a importância para o país de uma governança nacional para esse tipo de assunto. Desde a extinção do DNOS, na década de 1990, esse assunto não foi devidamente setorizado no governo federal, ficando um vácuo na governança. Como organismo técnico, a CBDB – sempre preocupada em contribuir para a disseminação de conhecimento de estudos relevantes para a engenharia de barragens – percebeu um espaço para essa recomendação, da mesma forma que a Academia Nacional de Engenharia (ANE), a qual também emitiu documento na mesma linha. São duas entidades nacionais que alertam as autoridades para que tenhamos na administração federal – não estamos propondo criar nenhum organismo novo – algum órgão pertinente para cuidar desse assunto de forma organizada. No caso das barragens, elas são estruturas úteis para o controle de cheias porque podem armazenar água em volumes de espera, em que se atenua uma onda de cheia e se faz um escoamento regulado, mitigando os efeitos de enchentes. Temos exemplos no Brasil de barragens construídas para esse fim? Temos exemplos de três barragens construídas no rio Itajaí-Açu, onde, em decorrência das enchentes que ocorreram em 1983, em Blumenau e Itajaí, foram construídas em 1990 pelo antigo DNOS, que protegem razoavelmente a bacia, embora, segundo informações, exista necessidade de outras para uma proteção mais efetiva. São obras de prevenção que ajudam muito em eventos extremos. E no caso do RS? No caso do RS e da bacia do Taquari-Antas, a construção de barragens poderia mitigar essas inundações, obviamente dependendo de estudos a serem elaborados. O sistema hídrico no RS é singular, porque tem uma bacia de acumulação que escoa muito rapidamente. O solo é muito rochoso, e há uma diferença de nível muito pronunciada entre a região que recebe as chuvas e depois recebe o escoamento, com remanso muito forte também no próprio Lago Guaíba e na Lagoa dos Patos. É um sistema muito singular mesmo: recebe a água e depois põe essa água de forma muito espraiada, e isso faz com que as enchentes provoquem esses danos como estamos assistindo. Sem qualquer dúvida, as barragens poderiam ter um papel de mitigação nesses eventos. O próprio Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH)-UFRGS tem estudos em que existem simulações e modelos no sentido de verificar as condições dessas obras e seu impacto na atenuação de cheias. Como seriam essas estruturas? Temos aí certas posições específicas para essas barragens em que algumas delas ficariam secas na espera de volumes extraordinários de água para que possam cumprir esse papel, como essas que foram construídas em Santa Catarina. Quando ocorrem essas enxurradas, essas barragens detêm os volumes na cabeceira da bacia, e os escoam regularmente. Por isso chamamos de vazões regularizadas. Que as barragens são infraestruturas que podem contribuir de forma significativa para mitigar esses eventos, não temos dúvidas a esse respeito, bem como também túneis, canais e diques. Importante que se saiba que existem medidas estruturais e não estruturais como se classificam no meio científico. As estruturais são as construções de obras de proteção. As não estruturais são as de prevenção, de alertas, em que se pode implantar uma rede de dados meteorológicos e antecipar-se aos eventos para as evacuações. As duas categorias de medidas nos parecem pertinentes, tanto as estruturais que demandam obras geralmente bem dispendiosas, que requerem estudos bem detalhados, e as não estruturais. Entre essas, dada essa aprendizagem com essa enchente, cabe avaliar a retirada do meio urbano das proximidades dos rios, na área onde passa a cheia. Essa deve ser uma tendência nesses municípios que foram atingidos por enchentes seguidas em praticamente meio ano. Esses municípios devem repensar a sua ocupação urbana. Seria possível simular uma barragem importante a ser construída no RS? Provavelmente, algumas estruturas na bacia do Taquari-Antas poderiam ser construídas. É possível fazer uma simulação em modelos matemáticos muito apurados. Seriam obras a serem localizadas em áreas estratégicas. Sobre a construção de barragens como forma de mitigação de enchentes, isso já se encontra de uma maneira bem significativa em termos mundiais. O senhor poderia estimar esse volume? De modo geral, as barragens que não são a fio d’água podem contribuir para a mitigação de cheias. Esses são um dos usos múltiplos de uma barragem. Praticamente todas as que existem para armazenamento de água, como para hidrelétricas, já contribuem. Temos cerca de 50 mil grandes barragens no mundo, fora as pequenas, correspondente a 4 mil km³ já regulados, que estão contribuindo para a mitigação de cheias. Seriam muito piores as cheias se não existissem todas essas barragens. No país, temos