” É preciso vontade política para retomar o espaço da hidroeletricidade no Brasil”, diz Mário Menel

Mário Menel

O Brasil vem fortemente abrindo mão nos últimos anos da energia limpa, renovável e mais econômica da fonte hídrica, sobretudo por supostas ameaças ambientais e sociais, como  o habitat de vida selvagem, obstrução de migração de peixes, além de outros efeitos. O certo, no entanto, é que o recuo paulatino da fonte hídrica na matriz energética brasileira coincide com a elevação das tarifas de energia, a ponto de incluir o país entre aqueles que praticam os mais altos preços desse insumo em nível internacional.

Uma das figuras de proa do setor elétrico nacional, o engenheiro Mário Luiz Menel da Cunha, presidente da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia (ABIAPE) e do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE), não tem dúvida de que o atual quadro em que a hidroeletricidade vem perdendo espaço pode ser revertido por meio de vontade política.

Nesta entrevista a MODAL, ele rebate aos ambientalistas mais empedernidos que levaram o país a optar por usinas a fio d’agua com fatos em que ficam demonstrados os benefícios das hidrelétricas ao meio ambiente e se permite anunciar alguns projetos que podem ser viabilizados. “Acredito que ainda vamos explorar a Bacia do Tapajós, a UHE Tabajara vai sair e também todas as PCHs que somam um potencial de 15 GW de capacidade”, prevê.

Acompanhe:

Por que a hidroeletricidade vem perdendo espaço no Brasil

Você está falando com um defensor de energia hídrica, porque os benefícios que ela traz para o sistema interligado são notórios. O sistema hoje está perdendo, cada vez mais, os serviços ancilares e tudo o que é possibilidade de acompanhamento de ponta. Tudo o que as hidrelétricas podem fazer está se perdendo ou diminuindo. Na medida em que você tem uma participação menor na matriz energética brasileira, vai perdendo essas características que são muito importantes. O meio ambiente tem um forte impacto na construção dessas usinas. O tempo de licenciamento das hidrelétricas, entre 10 e 15 anos, provoca até mesmo a desistência dos empreendedores. Fora isso, há outros fatores. Não se sabe se há, no Brasil, um ciclo de seca ou se realmente a escassez hídrica é efeito das mudanças climáticas.  O fato é que temos menos água disponível nas bacias brasileiras. Os últimos seis meses foram os piores da série histórica desde 1939, até mesmo que o período crítico de 1950 a 1954.  Se não fosse a retração da economia devido à covid-19, a carga estaria bem mais alta e haveria dificuldades de abastecimento.

A insegurança do investidor
Frente a esse quadro o investidor pensa :“vou participar de um sistema que tem o tal do GSF que gera um prejuízo fantástico”? Se não se consegue gerar a mesma quantidade de energia, somos penalizados fortemente. É uma penalidade grande para o gerador. Essa é uma incerteza. Outra incerteza é o aumento do uso consuntivo no Brasil inteiro: a procura pela água.  No São Francisco, por exemplo, você tem outorgas da ANA para irrigação. E, para cada uma, tem outra que é ilegal. O cara vai lá de noite, bota uma bomba, tira a água do reservatório de Sobradinho, e usa essa água em detrimento de geração de energia elétrica. Muitos desses usos são ilegais e isso se reflete na redução da capacidade da usina de produzir energia. Outro uso consuntivo é o das hidrovias. Em São Paulo, no rio Tietê- Paraná,  volta e meia você tem restrições de geração de energia elétrica para permitir o transporte de grãos e outros. Isso vem em prejuízo de quem? Do consumidor do setor elétrico. Então, toda essa conjuntura traz insegurança ao investidos. No fim, isso é o que interessa porque altera o seu fluxo de caixa. Você prevê um fluxo de caixa e de repente se depara com uma restrição.

Ônus para o setor elétrico
Em Belo Monte houve recentemente uma decisão do Ibama de reduzir a geração da usina para soltar mais água na  Volta Grande do Xingu. Isso representaria para o setor elétrico, se o Ibama tivesse imposto o seu hidrograma, um prejuízo que poderia chegar, dependendo do regime hidrológico, a R$ 10 bilhões somente neste ano de 2021. Ora, R$ 10 bilhões no momento em que o Tesouro  não tem R$ 10,00  seria uma desgraça para o país. O Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE) enviou uma carta quantificando esse prejuízo ao MME e ao Congresso  e, por fim, o Ibama retrocedeu. Mesmo assim, Ministério Público Federal ainda está em cima. Quer que volte o tal do hidrograma, que é desfavorável ao setor elétrico. Já em Minas Gerais  querem manter o nível de reservatório para atividades turísticas. Não pode deplecionar o reservatório. Ora, não deplecionar  significa um ônus para todo o setor elétrico brasileiro. Então o investidor está vendo isso tudo e fica com dificuldades.

As PCHs e CGHs 

As PCHs e CGHs têm problemas ambientais menores, mas leva muito tempo para o investidor obter um financiamento. E os investidores, que são privados, ficam temerosos, embora saibam da potencialidade dessas usinas. O custo de implantação é até alto. Todavia, depois de implantada, o custo de operação de uma central hidrelétrica é baixo. Por que a hidroeletricidade vem perdendo espaço no Brasil é uma pergunta que todos nós fazemos. O que falta para reverter isso? Qual a solução?   Um exemplo é a UHE Tabajara, no rio Ji-Paraná, afluente do rio Madeira, que está a um passo de poder ser construída e despertar interesse de investidores. Mas aí esbarra no licenciamento ambiental e não avança.

As fontes eólica e fotovoltaica
É um fato o avanço  das fontes eólica e fotovoltaica, mas essas usinas precisam de um armazenamento de gás, ou de hidrogênio ou de bateria química. Precisam de uma bateria para armazenar energia, porque quando para o  vento para a geração, isso é incontrolável  São fontes não despacháveis. A mesma coisa é a solar. Choveu não funciona, o céu ficou nublado não funciona, à noite não funciona. No caso de precisar de uma usina solar para fazer atendimento de ponta, não tem como fazer isso. A hidrelétrica atende e a PCH idem. Pode-se dizer para o operador: segura aí a água o dia todo e solte só às 7 da noite que vou ter um problema de ponta. Às sete horas da noite você gera tudo o que pode. As outras usinas não podem fazer isso.

Cenários

Não adianta fazer um cenário. As vezes se pensa, por exemplo que em vez de ter feito Belo Monte, o melhor era o projeto Kararaô,  com reservatório. Mas não adianta. Nossa realidade é esta.  Lembra que o José Serra perdeu a eleição por causa do racionamento de 2001.  O PT ganhou a eleição e entrou com o firme propósito de que, a qualquer custo, não poderia haver novo racionamento. Então,  todo o planejamento foi baseado em hidroeletricidade. Qual foi a surpresa do PT? É que na hora do leilão nenhum dos projetos tinha licenciamento ambiental. Deu desespero já que se avizinhava uma nova eleição. Então foram contratadas usinas a óleo que hoje estão em um patamar de R$ 1.700 o MWh. Pode fazer parte de um despacho, mas seu custo é enorme para o setor elétrico.  Na maior parte, os contratos começam a vencer a partir de 2023 e eles não serão renovados. No lugar dessas usinas entrarão provavelmente usinas a gás que são menos poluentes e mais econômicas. Isso está sendo remediado.  Mas por que não as hidrelétricas? Porque demoram entre oito e dez anos e mais o tempo licenciamento. Por isso, essas usinas a óleo serão substituídas por térmicas a gás.

A escassez hídrica 

Quanto à mudança climática não sabemos se é um ciclo. Pode ser que haja uma recuperação e esse ciclo volte a acontecer daqui a 50 anos. Pode ser que tenhamos uma mudança no regime de chuvas. Este ano o regime de chuvas teve um comportamento esquisito porque os reservatórios do nordeste estão muito mais altos dos que os do sul. Então é um planejamento difícil de ser feito. Como milito no setor elétrico durante muito tempo, tenho vergonha de dizer para as minhas netas que vou deixar o país sem usinas hidrelétricas que ele poderia ter construído. Estamos perdendo oportunidades. Vou dar um pequeno exemplo: uma das empresas, que faz parte da associação na qual eu sou presidente, detinha a concessão da UHE Santa Isabel.  Era uma usina no rio Araguaia, de 1.000 MW, de porte grande, pois bem: ela não conseguiu o licenciamento ambiental em 2002 e 2003, e devolvemos essa concessão por inviabilidade ambiental. Naquele momento tiramos uma fotografia da área do reservatório, porque diziam que a usina iria causar efeito perverso no meio ambiente. Estava lá, tudo verdinho com matas ciliares, tudo bonitinho. A usina não foi feita, mas se você tirar uma foto hoje do local  vai ver que está tudo desmatado, deteriorado. Então, se há uma atividade econômica você consegue preservar o meio ambiente. Se você sobrevoar Itaipu vai ver uma mata ciliar robusta na melhor terra do Brasil. É que Itaipu não deixa tirar uma árvore daquela mata.   Eles têm dinheiro para investir e fazer as coisas que precisam ser feitas. Você vê isso também nas usinas da Cesp, uma maravilha.  Tem um estudo interessante sobre o IDH de cada município antes e depois de PCHs. É impressionante o que melhora. Na eólica também teve mesmo efeito. O proprietário pode explorar a terra para a produção e ainda recebe R$  10 mil por mês pelo arrendamento.

Determinação política

Acho que falta determinação política do Brasil, de fazer. E eu acredito que nós vamos fazer. Veja o seguinte: para o próprio uso de água para consumo humano é preciso fazer reservatório.  No Congresso da água, em Brasília, há três anos, a conclusão foi de que precisa ter reservação de água. A segurança hídrica exige isso. O setor elétrico tem condições de fazer um açude, só que esse açude, além de reservar água, ainda produz energia elétrica. É impossível que não se consiga ver esse tipo de coisa. Captar água num rio sujeito a cheias e vazantes é muito difícil, agora captar água dentro de um reservatório é uma beleza, porque ela fica estabilizada. Acredito que ainda vamos explorar a Bacia do Tapajós, a UHE Tabajara também vai sair e todas as PCHs. As PCHs têm um potencial de 15 GW de capacidade instalada, em outorgas e projetos, em análise na Aneel. 15 GW é uma nova Itaipu. Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Mato Grosso ainda têm potencial a ser explorado. A Weg, de Santa Catarina,  faz tudo para PCH,  com tecnologia 100% nacional. O Brasil sabe fazer hidrelétricas.

A nova lei do meio ambiente 

Acompanhamos de muito de perto a elaboração dessa nova lei que é de 2004. Tramita há 17 anos no Congresso, portanto. Já tivemos reuniões com o novo relator e como ele faz parte da Frente Parlamentar da Agropecuária acho que pode facilitar. A nossa preocupação é o que não queremos. Não queremos burocracia, mas qualidade no licenciamento. Existe ainda aspectos legais de criminalização dos agentes do Ibama ou de órgão ambientais, o chamado “apagão das canetas”. O cara emite um parecer e pode ir para a cadeia. Além disso, o órgão ambiental não pode defendê-lo.  É uma solução esquisita, então tem muita coisa que a lei pode melhorar sem perder a qualidade. Quando falamos simplificar, alguns interpretam como se quiséssemos passar a boiada. Não tem boiada. Queremos que saia os empreendimentos. Estamos falando de uma linha de transmissão entre Manaus e Boa Vista, em Roraima. Essa linha tem 700 km e 112 km passam por uma terra indígena Isso perdura há 10 anos.  Não tem licenciamento ambiental. Sabe quanto custa para fazer essa linha?  R$ 1 bilhão. Sabe quanto é o custo do povo brasileiro para manter termelétricas em Roraima? R$ 1 bilhão por ano. Um empreendimento que se paga em um ano e não tem solução. Ela foi decretada de interesse nacional, de segurança nacional, porque Roraima é o único estado que está desconectado do SIN.  E não sai por questão ambiental. Esse é o tipo de coisa que a sociedade inteira não pode pagar. Todo o mundo está pagando. R$ 1 bilhão por ano. Isso não pode acontecer. É preciso ter uma coordenação. A linha era para estar pronta em 2015. Estamos pagando uma fortuna somente pela questão ambiental. Esse é o nosso principal entrave.

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