Segundo o FASE (Fórum das Associações do Setor Elétrico), que a cada quatro anos elabora propostas para os candidatos à Presidência da República com o objetivo de estimular o debate, a falta de governança das instituições de Estado é uma das principais questões a ser enfrentadas pelo novo governo.
“Quando se tem um número grande de objetivos, e os quatro principais órgãos de estado vinculados ao setor elétrico têm 75 objetivos estratégicos, acaba ocorrendo uma superposição de especificidades que geram ações desalinhadas com as responsabilidades de cada órgão, e isso pode resultar em um vazio de governança”, afirma Mário Menel, presidente da entidade.
Mário Menel
Geração Distribuída
Como exemplos, Menel lembra o caso da resolução normativa nº482, de 17 de abril de 2012, da Aneel, que estabeleceu as condições gerais para o acesso de microgeração e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica, ditando política pública quando o responsável pela formulação de políticas públicas é o Ministério de Minas e Energia( MME). “O resultado é conhecido: a decisão da Agência acabou necessitando de arbitragem e o Congresso Nacional aprovou o projeto que instituiu o marco legal para a microgeração e a minigeração distribuída de energia, alterando a resolução nº 482, fato que ficou longe de agradar aos agentes grandes consumidores e de distribuição”.
O líder do FASE, em mais um exemplo de má governança do setor elétrico, cita a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pelo controle dos contratos do setor. “A CCEE tem um conselho de administração, diga-se de passagem, excelentemente gerido e composto por técnicos de reconhecida capacidade, mas que, na verdade, atua como uma diretoria executiva. Uma inconsistência, na medida em que operam sem um órgão de recorrência na própria organização. O certo seria transformar esse conselho em diretoria executiva, que a instituição não tem, e criar um conselho como grau de recorrência”.
Crise hídrica
Outro caso em que Menel define como resultado de falha de governança ocorreu durante a crise hídrica do ano passado, em que o país enfrentou a pior seca dos últimos 91 anos provocada pela insuficiência no volume de chuvas nas bacias hidrológicas. O setor elétrico precisava desesperadamente de armazenar água e a ANA ( Agência Nacional da Água) , usando o seu regramento convencional, impunha restrições à operação correta do sistema para as condições de escassez hídrica, lembra o dirigente.
Essa decisão, segundo Menel, precisava passar por uma instância superior porque a falta de reserva de água para gerar energia é um entrave de muito maior importância econômica do que a navegabilidade do Tietê-Paraná. “Como o MME não tem poder de mando em relação à ANA, foi preciso criar um órgão de coordenação para resolver, entre outras, a questão, o que foi feito por meio da Medida Provisória 1.055/2021, que instituiu a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), com o objetivo de estabelecer medidas emergenciais para o enfrentamento da escassez hídrica”.
Apagão do Amapá
Um caso emblemático da falta de governança no setor elétrico nacional, segundo Menel, ocorreu em 3 de novembro de 2020, quando treze cidades do Amapá ficaram no escuro depois uma forte explosão seguida de incêndio que comprometeu a mais importante subestação do estado. “Em eventos como esse é importante a apuração de responsabilidade, não para simplesmente punir o responsável, mas para que eventuais erros não se repitam. A Aneel responsabilizou o ONS pelo ocorrido, mas esse mostrou que não era sua atribuição a fiscalização”, relembra Menel.
Resultado: até hoje não foi totalmente apurada a responsabilidade pelo apagão que, segundo o auto de infração, poderia ter sido ser evitado com manutenção regulares. “ O fato é que o tema da governança no setor merece especial atenção do governo”, conclui o presidente do FASE.