Consultores do setor de energia elétrica estão apostando em cenários agressivos, nos quais tanto a Cemig como a CEEE poderiam ser privatizadas ainda em 2019, ou mais possivelmente em 2020, embora os processos possam ser politicamente desafiadores, segundo informa a agência de notícias Reuters.
O movimento anima o setor dado o grande porte dos negócios —a Cemig possui ativos de geração, transmissão, distribuição e gás natural, enquanto a CEEE opera a distribuição em parte do Rio Grande do Sul, incluindo a capital, e tem ainda uma unidade de geração e transmissão.
A Cemig é avaliada em R$ 35 bilhões, incluindo dívidas, enquanto a CEEE vale cerca de R$ 3,4 bilhões, sendo R$ 2,3 bilhões de sua unidade de geração e transmissão, segundo dados da Refinitiv. “Essas grandes empresas que ainda estão sob controle governamental interessam a uma quantidade grande de empresas, tanto as que estão posicionadas no Brasil quanto as que estão olhando para vir. Hoje temos as principais empresas mundiais no Brasil e elas veem o país como uma fonte de crescimento”, disse o sócio da Strategy&, da PwC, Ricardo Pierozzi.
“O mercado está ávido pelos ativos da Cemig, não dá para negar. É um ativo que chama bastante a atenção, e acho que essa situação fiscal dos Estados acaba acelerando um pouco essa pauta das privatizações. Sem contar que é a pauta também da maioria dos governadores”, disse a sócia da KPMG, Franceli Jodas.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em evento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) neste mês que estados em dificuldades poderão obter recursos ao entregar ativos para serem desestatizados com apoio do banco.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) já disse que pode privatizar a Cemig em sua gestão, embora tenha sinalizado que a empresa também poderia vender ativos, como sua fatia na transmissora Taesa, uma vez que a desestatização exigiria plebiscito, pela lei estadual.
A regra de votação popular também existe no Rio Grande do Sul, onde o governador Eduardo Leite (PSDB) enviou à Assembleia Legislativa neste mês projeto que visa retirar a exigência. O consultor jurídico da FGV Energia, Gustavo De Marchi, avalia que as leis estaduais exigirão um convencimento político que pode desacelerar os processos e incentivar algumas vendas isoladas de ativos pelas elétricas nesse meio tempo. “Pela minha experiência, é algo para se avançar em 2020. De repente o terreno seria preparado neste ano. É um dever de casa extenso”, afirmou ele, que vê a venda da CEEE como mais ágil que a da Cemig, que poderia enfrentar alguma resistência popular. “A Cemig tem uma representatividade para Minas que talvez seja equivalente ao que a Petrobras representa para o país .”Por outro lado, indicações do governo mineiro para a nova composição do conselho de administração da companhia, como a do ex-analista do BTG Pactual Antonio Junqueira, também podem favorecer o movimento de privatização, acrescentou De Marchi.
Os especialistas apontam que Cemig e CEEE podem atrair chinesas como a State Grid, dona da CPFL Energia, elétricas europeias, como Iberdrola e EDP, e até investidores como o fundo de pensão canadense CPPIB, que se juntou à Votorantim para comprar a fatia do governo paulista na geradora Cesp em 2018.
O sócio da EY, José Ricardo Oliveira, vê potencial para uma forte disputa, uma vez que o grande porte das empresas funcionaria mais como um atrativo. Ele lembrou o caso da venda da distribuidora paulista Eletropaulo — a empresa foi negociada com a italiana Enel em 2018 por R$ 5,5 bilhões, a um preço por ação 133 por cento superior a uma oferta inicial da brasileira Energisa.
Também entrou no páreo a Neoenergia, da Iberdrola. “Vimos na disputa pela Eletropaulo o tamanho do apetite e da disponibilidade de capital que há no mundo para essas empresas comprarem esses ativos. Tamanho não é um impedimento”, afirmou. Vendas de ativos de forma isolada também atraem. A CPFL, por exemplo, já disse que pode avaliar a unidade de distribuição da CEEE, bem como ativos de geração nos quais é sócia da empresa. A francesa Engie admitiu que pode avaliar a Taesa se a Cemig decidir vender sua fatia. O negócio também pode atrair a indiana Sterlite, que tem investido pesado em transmissão no Brasil, e a colombiana Isa, que já é sócia dos mineiros na elétrica.
“O setor elétrico é de extremo interesse do investidor. Temos hoje grandes grupos no Brasil com apetite de crescer cada vez mais”, disse o sócio da Deloitte, Guilherme Lockmann. No caso da Eletrobras, embora o governo Bolsonaro sinalize que também pode levar adiante uma desestatização da estatal federal, a operação ainda está em avaliação e não envolveria a venda do controle da companhia a um único grupo, atraindo assim outro tipo de investidor, como fundos. O interesse das gigantes elétricas pelo Brasil é tal que o Itaú BBA avalia que o governo Bolsonaro poderia obter bilhões ao cobrar outorgas em troca da renovação antecipada de contratos de concessão de hidrelétricas que vencem no médio prazo.