Muito antes da tragédia de Mariana (MG), o governo gaúcho havia iniciado estudos com o objetivo de buscar maior eficiência e eficácia nos procedimentos a fim de prevenir acidentes com barragens de maior porte. Com esse objetivo, foi montada uma rede de atores locais, com o apoio da Agência Nacional da Água (Ana), afirmou a MODAL Fernando Meirelles, diretor do Departamento de Recursos Hídricos (DRH) da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema-RS).
Para Meirelles, a tragédia do rio Doce traz novos elementos para a realização dos planos de bacia, onde houver a possibilidade de contaminação química por colapso de alguma obra, ou por despejo acidental de algum produto industrial. “A atuação dos órgãos envolvidos poderia ser mais efetiva se um plano de ações emergenciais efetivo existisse e fosse colocado em funcionamento no tempo e na intensidade adequados à dimensão do acidente”, afirma. Acompanhe:
Quem fiscaliza a segurança das barragens no RS?
No Rio Grande do Sul, há um decreto, de 1954, que estabelece o rito processual de autorização para a construção de barragens. Pela redação original, a responsabilidade seria da Secretaria de Obras Públicas, contudo, essa responsabilidade está sendo desempenhada pelo DRH, desde a sua criação de acordo com a lei 10.350/94. Ou seja, atualmente o DRH faz parte da Sema e segue como responsável. A responsabilidade pela fiscalização da segurança de barragens, entretanto, é um assunto novo, determinado pela lei federal 12334 de 2010. Ocorre que para atender essa nova lei teria de haver um aumento do quadro técnico, que foi o objetivo de um concurso realizado no ano passado. Hoje a lei de responsabilidade fiscal não permite a contratação de novos técnicos por não haver margem orçamentária. A solução passa pela reestruturação das rotinas de análise de processos e a consequente liberação de técnicos para a atividade de fiscalização, o que deve ocorrer com a implantação do novo sistema de outorga, a partir de 26 de novembro. Além disso, a unificação dos escritórios regionais da Fepam e da Sema, ocorrida neste ano, já permitiu a identificação de irregularidades em uma barragem. A partir da alteração de processos internos, haverá uma maior capacidade de fiscalização dessas obras.
Quais os ensinamentos que podemos tirar da tragédia ocorrida no rio Doce?
A tragédia do rio Doce traz novos elementos para a realização dos planos de bacia, onde houver a possibilidade de contaminação química por colapso de alguma obra, ou por despejo acidental de algum produto industrial. A atuação dos órgãos envolvidos poderia ser mais efetiva se um plano de ações emergenciais efetivo existisse e fosse colocado em funcionamento no tempo e na intensidade adequados à dimensão do acidente. Há agora um conflito de qualidade de água entre os usos prioritários de abastecimento humano e da pesca em relação a um lançamento de efluentes. O plano de bacia previu uma ação intensa de monitoramento da água, mas não um acidente desse porte, pois esse risco não era algo considerado factível pela sociedade organizada e órgãos técnicos representados nos comitês.
Existe um cadastro de barragens e sistema de monitoramento de risco no RS?
Existem cadastros de barragens no estado. Há o de outorgas de barragens do DRH, que vem autorizando essas obras e mantendo o banco de projetos de todas as barragens e açudes outorgados, sejam aproveitamentos hidrelétricos, sistemas de abastecimento, uso industrial, irrigação, estruturas de reservação para o combate a incêndios em florestas ou dessedentação animal. Existe outro cadastro do governo federal, de lagos artificiais. Temos também informações sobre barragens da lavoura arrozeira do Instituto Rio-grandense do Arroz (Irga) . Entretanto, isso não é suficiente, pois os cadastros não são coincidentes, além de existir muitas obras não outorgadas no estado. A ação do DRH atualmente é no sentido de juntar essas informações a partir de sistemas georreferenciados, como o Cadastro Ambiental Rural e o novo Sistema de Outorga de Água do Rio Grande do Sul. A concepção desses sistemas, no estado, está sendo realizada de forma conjunta, o que é inédito no país. Além disso, a nova regulamentação dos reservatórios trará uma nova dinâmica ao processo de análise técnica, com o que se terá uma informação mais completa e atualizada sobre todos os reservatórios artificiais existentes. Com essa junção, todas as barragens e açudes do estado poderão ser regularizados de forma direta, on line, sem a necessidade de processos administrativos extensos. E isso permitirá a implantação, de fato, de uma rotina de fiscalização das obras de maior risco. O sistema de monitoramento previsto partirá de informações dos responsáveis técnicos pelas obras e a atuação constante dos técnicos da Sema e da Fepam, junto com os comitês de bacia e com o Crea, além do Ministério Público.
Qual o método construtivo e finalidade predominante de barragens no RS?
A maior parte de nossos reservatórios é de terra, com uso para irrigação. Estamos separando os reservatórios em açudes, quando não há barramento de algum curso de água permanente, e barragens – intervenções situadas sobre o leito de rios e arroios. As barragens para irrigação de maior porte são públicas— Chasqueiro, Capané, Duro, Sanchuri e sistema Vacacaí — e são em aterro. Há duas novas, Jaguari, em aterro, e Taquarembó, em concreto. As barragens de geração de energia elétrica são basicamente barragens de enrocamento. As PCHs normalmente tem núcleo central em concreto. As barragens da Corsan e de outros serviços de abastecimento humano normalmente são em aterro.
Existem planos de contingência e mapeamento de áreas de risco para acidentes com rompimento de barragens?
Ainda não existem esses planos de contingência. Isso é objeto do convênio Pró-Gestão, firmado entre a Sema e a Ana, em 2013, ora em fase de execução. Ainda em 2015, temos ações previstas, como a participação em um seminário sobre segurança de barragens e o começo da ação de vistoria em uma bacia do estado, do rio Santa Maria, com o apoio do comitê local.
Quem analisa os projetos e fiscaliza a construção de barragens no RS?
Quem analisa os projetos de barragem é o DRH, mas não há a fiscalização de sua construção. Estamos alterando a legislação para definir claramente esses papéis, especialmente no caso da fiscalização.
A legislação e o arranjo institucional existente no RS são suficientes para prevenir acidentes de maior porte? Não, mas é isso que estamos tratando no governo. Esse tema estava sendo tratado antes do acidente de Mariana. Não se trata de correr atrás do prejuízo, mas de mudança de toda uma lógica de atuação dos órgãos licenciadores a fim de proporcionar mais segurança para todos, ao mesmo tempo em que se busca maior eficiência e eficácia nesses procedimentos. Nessa linha, montamos uma rede de atores locais, com o apoio institucional da Ana para podermos cumprir as metas estabelecidas.