Guerra entre a Rússia e a Ucrânia deve acelerar mundialmente a inserção de novas tecnologias na matriz elétrica, diz Menel

A guerra da Rússia contra a Ucrânia mudará profundamente o panorama da energia global e sua geopolítica. Além da questão do aumento nos preços do petróleo e do gás natural, o conflito deve acelerar alternativas voltadas para a segurança energética mundial, segundo o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE) e da  ABIAPE (Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia), Mário Menel.

Em entrevista a MODAL, Menel destaca ainda a importância da aprovação do PL-414/21 pelo Congresso Nacional e avalia os efeitos sobre o setor de uma eventual vitória do PT na eleição para a  Presidência da República.

Acompanhe:

Esse aumento no preço do petróleo pode implicar em maior incentivo às renováveis, às hidrelétricas? A energia nuclear, que estava proscrita, mesmo antes dessa guerra começou a receber novos investimentos em vários países. Também o mercado de créditos de carbono deve se intensificar?

O preço da energia determina o maior ou o menor avanço de outras tecnologias. Com o barril de petróleo a U$ 150, você incentiva novas formas de energia e até a energia nuclear volta a ser competitiva. E não está descartado um barril de petróleo a U$ 200, pelo menos conjunturalmente.  O que eu vejo é que as renováveis não despacháveis, como são os casos da eólica e solar, estão em expansão mundialmente porque são mais econômicas. Além disso, devem crescer muito no mercado livre porque esse mercado de opção  escolhe o melhor preço. Só que o sinal de preço do mercado brasileiro está incompleto. Quer dizer, não é que a solar custe R$ 100 por MWh. Isso custa a usina fotovoltaica, mas o sistema utilizado para garantir a continuidade da linha de energia custa muito mais do que isso.  Entre esses custos está o do serviço que a UHE faz e não é remunerada por isso. Coincidentemente, com essa tua visão, esta semana recebi o convite do Ibama para  participar de uma audiência pública sobre a UHE Tabajara, de 400 MW,  o que não há muito não acontecia.

E assim podem sair outras …
E assim podem sair outras como a UHE Tapajós, de 6.356,4 MW, que foi licitada em 2015 e arquivada em 2016. De repente, pode ser que ainda se consiga algumas hidrelétricas para firmar o avanço das usinas mais econômicas em contraponto às termelétricas de alto custo para todos. O próprio PL 414 traz em seu bojo o dispositivo necessário para regular esses serviços ancilares das hidrelétricas. A modernização do setor elétrico passa necessariamente pela aprovação do PL 414, que tem comandos legais muito importantes como, por exemplo, a bolsa. É a primeira vez que se fala em bolsa e se coloca um comando legal.  Para fazer uma bolsa é necessária uma regulamentação extensa a fim de garantir segurança, mas se não tiver o comando legal você não consegue regulamentar. Também vai permitir a abertura total do mercado de energia. São precisos muitos estudos para se chegar à  abertura de mercado de forma segura e sem o PL 414 você não consegue avançar. Outro ponto. Separação lastro e energia que permite, por exemplo, as usinas reversíveis, o que somente é possível por meio de comando legal. Aposto tudo no PL 414 porque sem essa lei não vamos conseguir avançar no setor elétrico. Por isso, é fundamental a sua aprovação imediata. . É uma lei  que dispõe dos comandos necessários para que o Brasil possa avançar no setor elétrico daqui para frente.
 E o PL 414 está avançando?
Segundo o relator da matéria, deputado Fernando Bezerra Coelho Filho, é apenas uma questão de timing, ditado pelo presidente da Câmara dos Deputados, para a apresentação da segunda versão relatório.  Então, o setor elétrico deve passar por transformações necessárias diante dessa realidade  de preço alto e de tarifas impagáveis, situação que tende a ser ampliada cada vez mais. Não há alternativa. E para piorar, o governo vai usar mais R$ 5,3 bilhões de empréstimo  para a conta das distribuidoras. E assim que for equacionado esse montante virão mais R$ 5,2 bilhões. Resultado: são mais de R$ 10 bilhões que serão administrados pela CCEE e isso irá cair na conta do consumidor no ano que vem e se estender pelos próximos anos.

E a parte remanescente de anos anteriores…
O primeiro empréstimo ocorreu em 2015, com juros , algo como R$ 36 bilhões. O diretor geral da Aneel, André Pepitone, acabou antecipando o pagamento e livrou 8,4 bilhões porque a Aneel dispunha de dinheiro em caixa. Ele reuniu fundos que a Agência não estava usando no momento e resgatou parte do empréstimo. Foi assim que nos livramos (os consumidores)  de uma parte do empréstimo. Ocorre que em 2019, o governo fez outro empréstimo, de R$ 15 bilhões, a Conta Covid, que estamos pagando. Isso explica, em parte, porque estamos pagando essas tarifas altas.

 

Voltando aos efeitos da guerra da Ucrânia fala-se em avanços mais agressivos de  fontes de não-carbono e mercado de carbono…..
Toda a crise tem um lado de oportunidade. A energia nuclear, por exemplo. Estou acreditando muito nos chamados small  modular reactors  que são reatores de fissão nuclear que têm uma fração do tamanho dos reatores convencionais. E podem ter suas instalações descentralizadas, com menores impactos ambientais e custos reduzidos quando comparados com usinas/reatores de grande porte.  Com módulos de 100 MW até 300 MW, o possível impacto ambiental é menor e o preço da mesma forma. Não acredito mais em nucleares de grande porte. É possível construir  módulos em vários lugares em vez de concentrar, por exemplo, uma usina de 2 000 MW num ponto só.  Mas você tocou em um assunto que é importante, o mercado de carbono. Com o PL 528/21, o país dará os primeiros passos no sentido de regular  o mercado de carbono. O fato é que o Brasil detém um potencial para o mercado de carbono altamente significativo, precificado em cerca de US$ 100 bilhões no curto prazo, até 2030, que significa que nós não podemos deixar de aproveitar essa oportunidade. Temos de organizar o país e por isso está sendo feito um PL para que  o Brasil seja inserido em um mercado regulado internacional de carbono.  Nós fazemos comércio, mas de forma voluntária.  No Japão, por exemplo, não entra produto na prateleira sem dizer qual foi sua pegada de carbono.  É um mercado promissor para o Brasil pelo fato de termos uma matriz muito limpa e, portanto, a possibilidade de exportar muito certificado.

 Em relação às eleições, como o senhor avalia a provável vitória do PT e seus efeitos no setor elétrico?
Nós, do setor, já  convivemos com pessoas como Belluzzo, Tolmasquim e Nelson Hubner, que são aqueles que vejo falar pelo PT hoje. São pessoas altamente preparadas do ponto de vista técnico. O Tolmasquim, por exemplo, é professor da UFRJ, foi secretário executivo do MME e presidente da EPE; o Neson  Hubner foi ministro de Minas e Energia, diretor-geral da Aneel e o Belluzzo é um economista reconhecido nacionalmente. Já convivemos com eles por 14 anos. Então, diálogo não será um problema.

Mas do ponto de vista ideológico? Como fica a privatização da Eletrobras?
Se a Eletrobras conseguir fazer a capitalização antes das eleições, em que há uma boa perspectiva, isso será irreversível. O governo teria de recomprar ações e tem lugar mais importante onde aplicar recursos.

Em termos de agência?
A Aneel tem cinco diretorias que podem ser renovados este ano. Se ficar para o próximo governo e o PT vencer vai poder indicar os cinco diretores.

Qual a sua avaliação sobre a época de Tolmasquim ?
Na primeira gestão, Tolmasquim foi protagonista no desenvolvimento de um novo modelo de leilões, reconhecido internacionalmente, que , em minha opinião, ao organizar a relação gerador/consumidor, viabilizou a expansão do sistema como até hoje ocorre. Fez um plano decenal com  hidrelétricas porque ele era favorável à energia de menor custo total e à segurança energética. Mas na parte ambiental ele perdeu a “guerra”- na verdade, todos nós perdemos –  contra os ambientalistas em relação aos reservatórios das hidrelétricas e isso nos levou a uma falta de reservação. Constatada a não disposição do governo em licenciar novas hidrelétricas e, consequentemente, a ausência de projetos hidrelétricos para serem licitados, o planejador recorreu à contratação de térmicas. Em 2008 foram contratadas térmicas a óleo, por 15 anos, com o objetivo de evitar o racionamento como o que aconteceu no governo FHC e foi um dos fatores que permitiu a vitória de Lula nas eleições. Na época, foi considerada a alternativa válida – embora cara – e nós estamos pagando seus custos  até hoje. Os contratos têm encerramento a partir de 2023.

E a MP 579 da Dilma que renovou as concessões das usinas hidrelétricas?
As UHEs pertencentes à Eletrobras vão ser  descotizadas agora no processo de desestatização  e a empresa vai   procurar valor de  mercado para  colocar essa energia. Na oportunidade, em 2012/2013, houve empresas que não aceitaram a as prorrogações das concessões como a Cemig, Cesp, Copel. Não aderiram e suas usinas foram  relicitadas ao fim do prazo de concessão, que era dali a dois, três anos.  Foi mal calibrada essa tarifa da energia das cotas e somente a Eletrobras aderiu ao novo sistema de comercialização. Perdeu R$ 9 bilhões de receitas anuais, fato que causou problemas à saúde financeira da empresa. E quem não aderiu se deu bem.

 

COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email
Publicidade