O amadorismo sistêmico das decisões em transportes

Luiz Afonso dos Santos Senna

Luiz Afonso dos Santos Senna (*)

A hora de consertar o telhado é quando o sol está brilhando. (John Kennedy)

A crise gerada pela greve dos caminhoneiros deixa explícito o amadorismo com que nosso país tem sido gerido. O quadro fica ainda mais agravado pelo fato que essa gestão amadora é sistêmica, perpassando sucessivos governos.

Greve de caminhoneiros não é novidade. Ocorreram em 1979, em meio à abertura política do governo militar; em 1999, já na democracia plena, e em 2015, como forma de protesto contra o diesel caro, o valor do pedágio e o preço do frete. Mas anteriormente também ocorreram greves: em 1959, caminhoneiros grevistas protestaram contra a alta dos preços dos combustíveis, e nos anos 80 e 90 paralisações de transportadores autônomos bloquearam rodovias em diversos estados e vias expressas de grandes cidades brasileiras.

Os resultados dessas paralizações têm sido sempre medidas paliativas. Boa parte das medidas é desconectada de qualquer planejamento e de diretrizes econômica sustentáveis. Exemplos disso são: a criação do vale-pedágio, o aumento da tolerância para veículos trafegando com excesso de carga, propostas de tabelamento de preços fretes e reduções desordenadas de impostos. Todas essas medidas acabam repercutindo em outras áreas, que também acarretam custos para o próprio setor e para outros, como a menor durabilidade de pavimentos das rodovias, que implica no aumento dos custos operacionais dos caminhões e automóveis, e na ocorrência de rombos fiscais, que significam, de fato, demandam a alocação de recursos de outras áreas para transportes e, ao final, custos gerais maiores do que os que estão sendo supostamente mitigados. O improviso das decisões e a falta de uma análise ampla da repercussão das medidas propostas indica o grau de amadorismo com que as mesmas são tomadas.

A falta de uma compreensão ampla do funcionamento do mercado de frete, o papel e o comportamento de seus vários stakeholders, bem como a adoção de políticas muitas vezes populistas, como financiamentos para aquisição de veículos subsidiados por bancos oficiais, acabaram também influenciando a oferta de caminhões no mercado, barateando os preços de forma exagerada, fruto exatamente de super oferta, notadamente de autônomos. Neste caso, qualquer variação nos custos de produção do serviço é sentida imediatamente pela parte da cadeia produtiva mais sensível, no caso o autônomo.

O imediato desabastecimento de setores importantes da economia nacional também evidencia a ineficiência de políticas de abastecimento, como estoques de segurança insuficientes ou até mesmo inexistentes.

É óbvio que preços elevados de combustíveis afetam a economia em todas as suas dimensões. A adoção de preços flexíveis, que acompanhem os preços internacionais, também é uma necessidade do ponto de vista da sustentabilidade econômica.

Neste momento delicado de nossa história econômica, devem ser tiradas lições importantes para o país. O tão demandado planejamento deve estar sempre no centro das decisões econômicas, exatamente para evitar a improvisação que, na ampla maioria das vezes, leva a consequências indesejadas.

A própria ação da Petrobras em reduzir preço por uma semana parece ter sido contagiada pelo ambiente, e deixa sérias dúvidas sobre a sustentabilidade de tal decisão. O mercado financeiro é implacável e precifica decisões com esta.

Merece também destaque neste momento de caos por que passa o país, a participação da mídia, boa parte da qual se comportando de forma oportunista, alarmista e escandalosa, que fez com que pare do estoque da próxima semana fosse consumido em poucos dias, ocasionando, obviamente o desabastecimento. Some-se ainda a fragilidade política do governo e a falta de credibilidade das autoridades, a confusão e o caos estão instalados.

Muito embora a razão imediata para todas estas paralisações seja questões de preços de combustíveis e seus impactos, de fato, o que está por traz de tudo isto é a falta de planejamento dos governos, associado ao amadorismo com que decisões são tomadas. Decisões importantes não devem ser tomadas em clima de tensão como o de uma greve; deveriam ter sido tomadas antes, com tempo e calma. Se houvesse planejamento mínimo e competência gerencial, teria sido este o procedimento, hoje, e em todas as ocasiões anteriores.

Não apenas os preços de combustíveis, mas também preços em geral e obediência a marcos regulatórios claros e inequívocos são peças centrais para a estabilidade dos países.

O momento atual demanda calma, paciência, conhecimento técnico e econômico, mas principalmente, muita sabedoria. Por fim, o que realmente surpreende é o fato que, apesar de toda esta incompetência sistêmica e amadorismo com que as decisões são tomadas, o Brasil ainda tenha conseguido chegar até aqui.

(*) PhD em Transportes, Professor titular da Escola de Engenharia da UFRGS. Ex-diretor da ANTT.

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