O ano de ouro das pequenas hidrelétricas

Exclusivo para MODAL

Por Daniel Faller (*)

O setor de geração hidrelétrica sofreu um grande impacto nos últimos anos: a crise econômica, com consequente redução no consumo de energia, além de um enorme entrave ambiental para implantação de novas usinas, deixaram centenas de projetos engavetados, prejudicando investidores e toda a cadeia produtiva.

Nesse cenário, desde 2010 as pequenas hidrelétricas (CGHs e PCHs) também vivenciaram um período de dificuldade para a viabilização de novos projetos, como reflexo da crise econômica de 2008.

O início dos anos 2000 foi marcado por um expressivo crescimento das pequenas hidrelétricas, ganhando um impulso muito importante em 2002 com a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa) e a contratação de cerca de 1.100 MW de energia proveniente dessas usinas.

Paralelamente à criação do Proinfa ocorreu um grande aumento no volume de venda de energia incentivada no mercado livre, a qual era proveniente quase que exclusivamente de pequenas hidrelétricas.

Esses dois fatores foram fundamentais para a implantação de muitas usinas, aumentando o interesse dos investidores e fomentando a estruturação de uma ampla cadeia de suprimentos para a construção de novos empreendimentos.

Em 2008, antes da crise econômica nos Estados Unidos, todos os fabricantes de equipamentos e prestadores de serviço deste setor lidavam com uma demanda elevada e, consequentemente, havia fila de espera e prazos longos para o fornecimento de novos empreendimentos.

Nessa época era inexpressiva a participação desse tipo de usinas em leilões no Ambiente de Contratação Regulado (ACR). Com a conclusão das obras de grande parte das usinas do Proinfa e o recuo do mercado livre em razão da crise mundial, todo o setor experimentou uma redução gradual no volume de negócios. Os investidores tiveram dificuldades em obter crédito para o financiamento de novos projetos e, por consequência, sua cadeia produtiva foi fortemente abalada.

Para complicar um pouco mais o cenário, a crise internacional fez com que fabricantes de aerogeradores reduzissem muito o preço dos equipamentos e a competição com as usinas eólicas nos leilões tornou-se bastante difícil. Como resultado, a venda de energia proveniente das pequenas hidrelétricas foi de apenas 327 MW médios entre os anos de 2009 e 2014, frente a um montante de 6.188 MW médios de energia contratada de usinas eólicas.
A tabela abaixo apresenta um resumo da participação das PCHs e CGHs nos leilões de ACR:

Ano Número de usinas Energia Contratada (MW médios) Potência Contratada (MW) Investimento Previsto (R$) Preço Médio (R$/MWh) Preço médio atualizado (R$/MWh) % Contratado em relação ao total
2005 0 0,0%
2006 1 1,00 2,25 8.216.000,00 124,99 253,16 0,1%
2007 2 17,00 35,00 188.340.080,00 134,99 263,78 0,4%
2008 0 0,0%
2009 1 1,00 2,50 32.412.070,00 144,00 253,06 0,0%
2010 11 108,80 210,50 1.177.428.450,00 146,33 245,28 4,5%
2011 0 0,0%
2012 0 0,0%
2013 24 194,00 481,24 2.491.806.330,00 133,21 186,92 5,7%
2014 3 23,70 43,88 266.928.100,00 161,89 213,26 0,6%
2015 15 126,00 230,51 1.563.939.460,00 205,67 248,28 5,5%
2016 45 178,30 443,27 *1.310.505.000,00 208,14 231,33 60,0%
2017 8 77,10 150,54 719.520.240,00 216,37 233,48 2,6%
2018 11 50,80 104,66 602.366.790,00 196,70 203,33 4,2%
2019 30 148,20 348,56 3.650.360.226,67 223,96 223,96 12,0%
TOTAL 151 925,90 2.052,90 17.268.626.501,04 184,74 223,61 2,6%

Fonte: Resumo dos resultados dos Leilões de Geração no ACR de 2005 a 2019 em https://www.aneel.gov.br/resultados-de-leiloes

* Valor estimado em razão de informações inconsistentes da Aneel,

Observa-se sob o aspecto do planejamento para a cadeia de suprimentos do setor, que a grande variação do montante de venda de energia proveniente das pequenas usinas causou um problema em função da sazonalidade de fornecimento. Se pensarmos que o Proinfa viabilizou a construção de cerca de 50 PCHs , entre os anos de 2003 e 2008, fica clara a crise que o mercado mergulhou nos anos seguintes.

Ainda é notável, que em 2013, 2015 e 2016, as pequenas usinas conseguiram reagir, após um período negativo em termos de volume de contratação. Esse resultado é fruto do árduo trabalho realizado pelas associações do setor (Abrapch, Apesc, agPCH e outras) que pleitearam junto ao poder público melhores condições de contratação nos leilões do ACR.

Na outra ponta, os empreendedores focaram um grande esforço no desenvolvimento de melhores projetos, com uma gestão mais eficiente dos custos de implantação e na estruturação financeira, utilizando taxas de juros mais atrativas como uma forma de garantir a viabilidade para os projetos que haviam sido desenvolvidos dentro de um cenário anterior e muito mais favorável.

Por fim, os fornecedores de equipamentos, prestadores de serviço e empresas de construção trabalharam fortemente na otimização de processos produtivos, na padronização e na redução de seus custos, uma vez que todos sofreram expressiva redução em sua carteira de pedidos a partir de 2010.

Em 2016, as PCHs e CGHs tiveram grande êxito na participação no Leilão de Energia de Reserva (LER) e foram responsáveis por uma fatia muito significativa da energia contratada no ACR. O grande número de projetos comercializados nesse leilão deu um fôlego para o setor e apesar dos números modestos de contratação nos anos de 2017 e 2018 -como reflexo da crise econômica brasileira- era claro que o pior momento já havia passado.

Em 2019 tivemos dois leilões de energia nos quais o resultado foi bastante animador para empreendedores e para a cadeia de suprimentos do setor, uma vez que as pequenas usinas foram responsáveis por comercializar 12% do montante contratado no ACR. Soma-se ainda o aumento de demanda pela implantação de projetos de CGHs para atendimento na modalidade de geração distribuída. O resultado é o fechamento do ano com excelentes perspectivas de retomada de crescimento para as pequenas hidrelétricas.

Entre os anos de 2014 e 2019 entraram em operação comercial em média 19 pequenas usinas por ano, e esse número tende a aumentar devido à conclusão das obras de usinas que comercializaram no LER em 2016, e pela antecipação de geração das usinas que venderam energia em 2017, 2018 e 2019.

Após anos de turbulência econômica e má gestão do setor elétrico brasileiro chegamos a um momento com condições ideais para um crescimento sustentável das pequenas hidrelétricas. Dispomos de uma cadeia de suprimentos qualificada e pronta para o atendimento de uma demanda crescente, de empreendedores experientes e com apetite para realizar novos investimentos. Além disso, pouco a pouco os subsídios de outras fontes devem ser reduzidos com tendência a uma precificação mais justa para todos. Contamos com associações fortes e com real propósito de viabilizar o setor e, por fim, as condições macroeconômicas do país -taxa de juro baixa e inflação controlada- devem alavancar a produção industrial e resultar em um grande aumento no consumo de energia.

Por essas razões acredito que 2020 será um ano de ouro para as pequenas hidrelétricas!

(*) Diretor da HydroFall Consultoria Ltda.

 

 

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