Passivo potencial da intermitência

Por Ricardo Pigatto

Trabalho com PCHs há mais de 25 anos e acompanho o segmento nos mínimos detalhes, tanto técnicos como regulatórios, e continuo acreditando na inexorabilidade do reconhecimento da fonte sob os pontos de vista econômico-financeiro e ambientais.
O brilhante Ariano Suassuna nos faz refletir quando diz: “Ser poeta é muito bom porque eu não tenho nenhuma obrigação de veracidade. Eu posso mentir à vontade, cientista é que não pode.”
Já não há mais dúvidas sobre os verdadeiros custos das fontes intermitentes, nem tampouco pairam dúvidas sobre seus efeitos técnicos nos sistemas elétricos. Essas são verdades que os cientistas não podem mais omitir sob pena de total perda de credibilidade. O mundo já abunda em exemplos de estratégias equivocadas na inserção da geração de energia elétrica sem lastro de potência, bem como quanto custa esse lastro, já que não se pode renunciar à segurança energética.
O que não se pode é mentir sobre o que, tecnicamente, não é verdade.
Não há dúvidas que a geração solar fotovoltaica e a geração eólica são mais caras do que a geração hidráulica, inclusive de PCHs.  Mas o que as torna mais “baratas” é o conjunto de subsídios que recebem. Isso é um fato. Em excelente estudo  sobre o melhor suprimento de energia para a ilha de Fernando de Noronha, a EPE demonstra isso ao analisar a implementação de fonte intermitente em sistema isolado.
A expansão da GD remota através de redes varejistas cresce exponencialmente. O mercado está se especializando em cooperativas de consumidores que firmam contratos de adesão e passam a usufruir da GD remota imediatamente, com perda de receita de ICMS nos Estados e redução nos pagamentos às distribuidoras pelo uso da rede. Isso sem contar nos custos não pagos pela GD e que são impostos a todos os consumidores pelo uso do Sistema Interligado como “bateria”. A integra dessa curva de crescimento não pode ser infinita, pela obviedade que isso representa, tanto pela necessidade de geração de base como na perda de arrecadação e, além de tudo isso, na capacidade de pagamento daqueles que remanescem como consumidores.
A dúvida que fica é: quando e como isso vai ser corrigido? Quem vai pagar pelo passivo? Alguns escritórios de advocacia  vislumbram ações gigantescas de ressarcimento dos consumidores prejudicados, concluindo que o subsídio deve de vir do erário e não do bolso dos consumidores. O poder concedente tem ciência deste passivo potencial? A Lei 14.300/22 não foi longe demais?
Este tema já transcende à perda artificial da competitividade das PCHs ,provocada pelos subsídios à intermitência, mas ainda permanece a dúvida para onde o planejamento do setor elétrico vai nos levar. A dimensão do problema potencial é tão grande que não se pode tapar o sol com a peneira.

(*) Engenheiro e consultor no setor elétrico

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