Um verdadeiro tesouro permanece relegado ao segundo plano nos escaninhos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão responsável pelo planejamento do setor elétrico do país. Trata-se de 16.309 MW de potencial inventariado de centrais hidrelétricas que podem render investimentos de cerca de R$ 131 bilhões, além de um potencial remanescente ainda não estudado Com 1.124 usinas em operação e um total de 5.943 MW instalados na matriz energética brasileira, equivalente a 166 GW, o volume de contratação de pequenas centrais nos últimos leilões tem sido irrisório. De 2005 a 2018, foi de apenas 1,91% do total, enquanto a de térmicas fósseis (26,05%), de grandes hidrelétricas (43,48%), de eólicas (17,90%) e biomassa (7,54%).
Esses números foram apresentados durante a 3ª Conferência Nacional de PCHs e CGHs, realizada em Curitiba, no período de 8 a 10 de maio, promovida pela Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas (Abrapch).
O evento, que reuniu cerca de 800 participantes, entre empreendedores, consultores e representantes de empresas comercializadoras de energia, contou em sua programação, além de temas técnicos e de alternativas para captação de recursos, com representantes do Ministério de Minas e Energia, Agência Nacional de Energia Elétrica e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Paulo Arbex, presidente da Abrapch, no painel de abertura, destacou que os números do setor são ainda mais absurdos quando se comparam os valores efetivamente recebidos por cada MWh entregue de energia pelas hidrelétricas no período (2005-2018) com as demais fontes, sobretudo as oriundas daquelas consideradas fósseis como as de termoelétricas movidas a óleo combustível.
O titular da Abrapch lembrou que foi no governo JK em que se iniciou o plano de hidrelétricas interligadas no Brasil. Dado sequência pelo regime militar, que quintuplicou a capacidade instalada, além de consagrar o Brasil “como detentor da melhor tecnologia do mundo, capaz de ofertar baixo custo de energia, limpa, abundante e confiável”. Fator, este, que resultou num dos alicerces das chamadas três décadas de ouro, que ficaram conhecidas no mundo de “milagre econômico”, pontuou.
A partir de 1990 até os dias de hoje, continuou Arbex, ocorreu uma brutal retração das hidrelétricas de 85% para 63% da matriz energética, o que atribuiu “à proliferação de ONGs estrangeiras e de esquerda, do chamado ambientalismo, ao programa emergencial de 2001, junto com a predileção de governos por térmicas fósseis e fascínio com intermitentes.”
“É injustificável o fato de que as pequenas hidrelétricas — de longe a fonte com o menor impacto ambiental e que oferece o maior benefício à sociedade — , sejam diuturnamente massacradas por ONGs, mídia, algumas autoridades ambientais e parte do MP, enquanto os impactos das outras fontes são praticamente ignorados”.
De acordo com Arbex, exige-se das pequenas hidrelétricas “compensações ambientais” que chegam a custar até 30% da obra e que, “na sua grande maioria, não tem nada de compensação ambiental nem respaldo legal, mas são colocadas como condicionantes para emissão da licença, o que beira a chantagem”. Em outro extremo, segundo ele, “existe uma permissividade incompreensível com as termoelétricas fósseis, que causam danos infinitamente maiores, mas são aprovadas em bem menos de um ano, não pagam pelo CO2 emitido — ao contrário dos países OCDE —, tem um nível de compensações ambientais infinitamente inferior aos danos que causam e ninguém fala nada”, completou.
“Nada menos do que R$ 70 bilhões foram despendidos nos últimos cinco anos em termelétricas e o Brasil está pagando isso”, agregou Valmor Alves, presidente do Conselho de Administração da Abrapch. “Nosso mundo é competitivo e o Brasil está competindo em um mercado global”, acrescentou. “É preciso ter um baixo custo em energia para que possamos gerar empregos. Hoje são cerca de 14 milhões de desempregados. Claro que existe a questão fiscal. Entretanto, o Custo Brasil represa os investimentos e a energia é um dos principais fatores desse custo”.
Potencial das PCHs
Carlos Eduardo Cabral Carvalho, superintendente de concessões e autorizações de concessões da Aneel, no painel sobre regulação e legislação para o setor, revelou que existem 52 inventários em desenvolvimento no país no setor hidrelétrico e um potencial em estudo de PCHs de 8.386 MW, correspondente a R$ 69 bilhões em investimentos. Com 3.147 MW de 197 unidades, a Região Centro-Oeste é a que apresenta a maior oferta, seguida pela Região Sul, com 2.925 MW de 230 unidades, e o Sudeste, com 1.717 MW de 127 unidades. Existe ainda um potencial identificado para estudo de mais 5.022 MW.
Em sua apresentação, Cabral relatou ainda os últimos aprimoramentos da Aneel para o desenvolvimento de projetos de PCHs e as medidas que estão sendo adotadas para a segurança de barragens nas usinas hidrelétricas. A meta para 2019 é fazer uma força-tarefa para a fiscalização de barragens em 100% das hidrelétricas. Até abril deste ano, os técnicos da agência já estiveram em 142 UHE e de maio até dezembro outras 193 entrarão no cronograma. Para esse serviço, a agência firmou convênio com as agências reguladoras Agergs (RS), Agepan (MS) e Arsesp (SP).
Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), destacou a expansão do mercado livre que, desde maio de 2015 a março de 2019,agregou 4.129 novos consumidores e vem se consolidando como um novo nicho de mercado para as PCHs. Ainda em sua palestra, ele discorreu sobre GSF cujos valores não repactuados alcançam a R$ 7 bilhões, resultado de 148 liminares judiciais e 353 ações judiciais.
Hélvio Neves Guerra, secretário-adjunto de planejamento e desenvolvimento do Ministério de Minas e Energia (MME), prometeu levar para discussão no âmbito do governo o aumento do volume de contratação de PCHs nos leilões de energia para 500 MW médios, uma antiga reivindicação da Abrapch.
Secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Rose Hofmann, esclareceu que não é verdade que o plano do governo é tornar menos rigorosa a questão ambiental. “O que pretendemos é dar maior agilidade. Quanto maior o impacto ambiental e a imprevisibilidade da relação do empreendimento com o ambiente, maior deve ser o rigor da avaliação do impacto ambiental”. Explicou que o papel da Secretaria é de promover a articulação entre os diferentes interlocutores que atuam nos processos de licenciamento, de forma a identificar eventuais necessidades de aprimoramento e buscar soluções.
Arbex, da Abrapch, afirmou que, no caso das PCHs, os projetos de baixo impacto devem ser aprovados de forma célere e não ser “obrigados a passar por 15 ou 20 órgãos diferentes”.
“Não tem lógica uma PCH levar nove anos para ser aprovada. O fato é que houve uma demonização das hidrelétricas no país sob o falso argumento de que poluíam os rios. Faz 20 anos que não se constrói reservatório e os rios estão cada vez mais poluídos, o que deriva, sobretudo, da precariedade do esgotamento sanitário”.