Presidente da Apesc prevê mudanças no planejamento do setor elétrico nacional

Gerson Berti, presidente da Apesc /Foto:Divulgação

Gerson Berti, presidente da Associação de Produtores de Energia de Santa Catarina (Apesc), defende a instituição de leilões regionais e por fontes como uma alternativa capaz de incentivar investimentos no setor energético em todo o território nacional. “Enquanto isso não vier deverá continuar a concentração de investimentos no Norte e no Nordeste e uma necessidade elevada de novas linhas de transmissão para conectar os novos parques ao Sistema Integrado Nacional”, acrescenta ele que prevê um intenso debate sobre esse tema no Seminário de Políticas Públicas para a Geração Hídrica a partir das PCHs e CGHs, no dia 14 deste mês, em Florianópolis. Berti respondeu por e-mail as perguntas enviadas pela MODAL. Acompanhe:

Como o senhor avalia o atual momento do setor energético no país? Quais os principais entraves existentes entre os pequenos e médios empreendedores?

É um momento de retomada. Em razão do baixo crescimento da economia tivemos uma queda na demanda de energia, as distribuidoras reviram para baixo suas necessidades e isso adiou muito o investimento no setor. Penso que o momento seja de retomada, ainda não concretizada. Há muitos projetos de todas as fontes prontos e licenciados esperando a venda da energia para se tornarem realidade.

Quais os avanços que poderiam contribuir para o crescimento da presença de centrais hidrelétricas no mercado regulado?

Entendo que o mais importante foi ter ampliado para 5 MW a classificação dos projetos como CGHs e ter sido este o patamar de potência instalada admitido para a Geração Distribuída da REN 482/2012, ou seja, o conceito de mini e microgeração distribuída. Enquanto permanecer a disputa de leilão centralizado misturando todas as fontes haverá pouco espaço para os pequenos projetos de geração hídrica. No entanto, este mercado de CGHs deverá buscar na GD a viabilidade de seus projetos. As mudanças na Portaria 482/2012 devem ser vistas com atenção para que não haja uma interrupção neste crescimento. A geração distribuída colabora muito para a segurança energética e em custos evitados de expansão nas linhas de transmissão, deve ter seu espaço preservado.

Como vê a ação do MME no sentido de  iniciar a cooperação com órgãos ambientais estaduais para viabilizar uma carteira de projetos? Alguma sugestão?  Qual o ponto mais importante nessa ação?

 

Muito importante, diria que vem com algum retardo. A excessiva politização do meio ambiente foi nociva para o licenciamento da fonte hídrica. Os reservatórios foram demonizados, houve um crescimento significativo das fontes térmicas. Estranhamente a geração térmica obtém licença ambiental com muito maior agilidade que a fonte hídrica. A ação proativa do Poder Executivo Federal por meio do MME poderá induzir os estados a fazerem o mesmo. Em Santa Catarina, o Programa SC+Energia propôs essa mesma linha de atuação de agora do governo Federal faz. A sugestão principal é o envolvimento do governador de Santa Catarina para buscar com o Ministério Público um acordo geral de procedimentos. Não faz sentido termos todo o esforço do executivo para o licenciamento ambiental, respeitando leis e regramentos, e esbarrar depois na ação do MP embargando a obra. Se houver problema não se emita a licença, mas licença emitida deve ser respeitada. Isso é fundamental.

O senhor acredita que o aumento da contratação de centrais hidrelétricas depende de vontade política do governo? Ou o caminho seria mesmo a adoção de leilões regionais por fontes?

O planejamento do setor elétrico é que define a política de expansão das fontes. Vejo com clareza uma retomada da geração hídrica, bem como da geração nuclear com o Projeto de Angra 3. Não é possível colocar as diferentes fontes num mesmo certame a menos que haja pontuação por seus atributos ou seus serviços ancilares. Isso hoje não é feito. Então, mudando um pouco, é vontade do órgão regulador, da Aneel. Isso em breve deverá ser corrigido.  Os leilões regionais e por fontes seriam uma solução para haver investimento em todo o território nacional. Tornar a geração distribuída do mercado regulado uma obrigatoriedade, hoje é uma faculdade da distribuidora, na previsão da lei. Enquanto isso não vem, há uma nítida concentração de investimentos no Norte e no Nordeste e uma necessidade elevada de novas linhas de transmissão para conectar os novos parques ao Sistema Integrado Nacional.

 Diante do crescimento das energias eólica e solar, o senhor não teme uma perda progressiva da importância do setor hídrico no país?

 Isso será inexorável, até porque esses eixos de rios disponíveis para os projetos de geração são finitos. O que não se compreende é a opção pela térmica poluente em detrimento da geração hídrica para fornecimento da energia de base. Crescer solar e eólica é bom se combinado com backup hídrico. Nos últimos anos, o backup foi térmico, resultante de mais linhas de transmissão para conectar essas fontes solares e eólicas longínquas do centro de carga, e o acionamento das térmicas em momentos de crise hídrica. Hoje a energia hídrica representa cerca de 60% da matriz brasileira, que é de cerca de 180 GW de potência. E deverá cair segundo projeções do MME e da EPE. Houve um crescimento inexpressivo da fonte hídrica nos últimos cinco anos e isso se refletiu nos preços e tarifas. Menos hídrica = tarifas mais altas, pois são acionadas as térmicas que possuem um preço bem mais elevado. Agosto será de bandeira vermelha. A razão disso? Todos sabem. É necessário aumentar reservatório, que são as baterias do sistema. Então, gera menos hídrica para economizar água e são acionadas as térmicas para garantir suprimento.

 

O mercado livre pode ser uma opção o avanço das centrais hídricas?

Já é uma opção. Contudo, há um descasamento entre a duração dos contratos e a cobertura de dívida que exige o agente financiador. São necessários ajustes para permitir adequada cobertura do serviço da dívida. Muitos projetos seriam viáveis se houvesse maior agilidade dos bancos, começando pelo BNDES. Outro aspecto que precisa ser adequado é o preço piso para o PLD. Considerar valor tão insignificante para a energia liquidada no mercado de curto prazo é um equívoco monumental. Houve adequação para o preço teto, porque não haver um preço piso mais razoável? Isso permitiria uma consideração mais adequada do preço da energia descontratada, colaborando para melhor cobertura do serviço da dívida e assim, os projetos teriam o financiamento que buscam.

Como vê a questão da financiabilidade de projetos de PCH e CGH, a partir da reforma da Previdência? Qual a sua expectativa para o setor a partir da aprovação das reformas propostas pelo governo federal?

Haverá pouco impacto para a financiabilidade de projetos com a reforma da Previdência. A reforma é importante para que a expectativa positiva de retomada da economia aconteça. Tanto a da Previdência como a tributária, sendo esta última ainda mais complicada de ser aprovada. Mas se passarem, penso que o governo Bolsonaro terá cumprido um grande papel a serviço dos brasileiros.

Com a retomada da atividade econômica, o país corre risco de oferta de energia? Ou a ação do O N S e demais órgãos do governo deverá garantir a oferta?  Qual o seu maior temor?

Se houver crescimento da economia de 3% ao ano nos próximos três anos, faltará energia ou haverá ameaça de falta. Nós já vivemos situação similar. Os indicadores atuais não permitem vislumbrar isso e o planejador não pode ser nem muito otimista, nem muito pessimista. Ele deve ser precavido, realista. O último leilão A-4 demonstrou que ainda não há crescimento da demanda de forma a sugerir problemas no fornecimento. O ONS é o operador naquilo que lhe cabe, a infraestrutura do SIN, despacho de energia, nos quais estamos bem atendidos. À  Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e ao MME cabem a responsabilidade de planejar e formular políticas públicas. No seminário teremos oportunidade de discutir isso com o Secretário Adjunto de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, Hélvio Guerra.

Qual a sua proposta em relação à matriz energética brasileira e a participação de energias renováveis?

Minha proposta básica é tornar os leilões de geração distribuída do mercado regulado obrigatórios. Assim haveria crescimento e expansão em todas as regiões do país e colaboraria para a segurança energética brasileira. Renováveis crescerão, mas não tenhamos ilusões. Haverá ainda, por muito tempo, necessidade de geração térmica para a garantia de suprimento. O que temos de fazer é substituir as fontes mais poluentes por geração térmica a gás natural. Creio que o governo federal está em busca dessa mudança de paradigma também.

 

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