Privatização da Eletrobrás

 

Adriano Pires- O Estado de São Paulo (*)

“As pessoas geralmente veem aquilo que querem ver e ouvem o que querem ouvir” (Harper Lee, escritora americana falecida em 2016). Essa frase é bastante apropriada ao nos depararmos com afirmações sobre a necessidade de participação do Estado no setor elétrico, já que o setor privado supostamente pouco investe, obrigando o governo a continuar a investir, e identificando essa situação como causadora do aumento das tarifas de eletricidade bem acima da inflação.

Basta olhar para os resultados referentes aos mais de 20 anos de leilões de outorga de concessões de transmissão realizados pela Aneel e de leilões de compra de energia com investimentos realizados pela iniciativa privada, que superam R$ 100 bilhões, para constatar que essas afirmações não correspondem à realidade.

A maior geradora privada de energia possui uma capacidade instalada atualmente três vezes maior que à época em que foi privatizada. Adicionalmente, investe em infraestrutura de gasodutos, energia renovável, geração distribuída, etc. Portanto, é irrefutável a participação exitosa da iniciativa privada na expansão da capacidade de geração, transmissão e distribuição no Brasil.

A privatização da Eletrobrás é a resposta pragmática para ajudar na expansão do setor elétrico. Foto: Fábio Motta/Estadão

A privatização da Eletrobrás é a resposta pragmática para viabilizar parte dos investimentos necessários para a expansão do setor elétrico e contribuir para resolver os problemas macroeconômicos do Brasil, agravados com a crise gerada pela pandemia.

A Eletrobrás investe anualmente na expansão da oferta de geração cerca de R$ 3,5 bilhões, quando, em razão do seu porte, poderia investir cerca de cinco vezes mais. A empresa não investe mais simplesmente porque não tem capacidade para fazê-lo de maneira segura, sem se expor a riscos de liquidez ou insolvência.

A privatização em nada interfere no controle do Estado sobre o setor elétrico, que é rigorosamente regulado e fiscalizado. O setor elétrico brasileiro é reconhecido por sua maturidade e segurança regulatória e institucional, características que garantem as condições para atração do capital privado.

Correlacionar o aumento das tarifas de eletricidade à privatização é um argumento falacioso. O segmento de distribuição, que apresenta a maior participação privada no setor de energia elétrica, teve o menor aumento tarifário no período 2001-2019, passando de R$ 64/MWh para R$ 106/MWh. Enquanto isso, no setor de geração de energia, que concentra a maior parcela de empresas estatais, o valor da tarifa em 2001 era de R$ 65/MWh e, em 2019, passou para R$ 233/MWh.

Fica evidente que não foi a privatização no setor que aumentou as tarifas. Ao contrário, a intervenção do Estado, visando a benefícios políticos de curto prazo por meio da Medida Provisória n.º 579/2012, trouxe um prejuízo de mais de R$ 100 bilhões, que todos nós, consumidores, pagamos e continuamos a pagar, porque transferiu para nós, que não temos a menor capacidade de geri-los eficientemente, os riscos inerentes aos geradores.

Foi esta medida provisória que fez com que a partir de 2013, diante de uma inflação de 37%, as tarifas aumentassem 111% – ou seja, três vezes a inflação. Adicionalmente, as alterações no regime de vazão nos rios brasileiros têm causado o acionamento de unidades térmicas mais caras, cujo custo pressiona as tarifas de eletricidade.

O setor elétrico vive um momento de transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável. Descentralização, digitalização, descarbonização, diversificação e disrupção (5Ds) estão na agenda não só aqui, mas no mundo inteiro. O Brasil, pelas características de suas fontes primárias de geração, tem uma vantagem competitiva significativa que não pode ser desperdiçada. Mas o governo e as empresas estatais não têm recursos para liderar os avanços nessas áreas.

A privatização não é uma escolha política ou ideológica, mas sim uma necessidade que tem de ser resolvida de forma pragmática, sem buscar no passado soluções que já não se encaixam na realidade do mundo em que vivemos. Nós, brasileiros, não merecemos ficar sempre olhando para trás, vendo o mundo pelo espelho retrovisor, enquanto nossos parceiros enfrentam de forma decidida seus desafios visando a merecer o futuro.

*É DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

 

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