Rivalidade entre Brasil e Argentina chega aos vinhos e gera impasse sobre importações da UE

Um novo confronto está embalando a histórica rivalidade entre Brasil e Argentina. Desta vez, o foco sai dos campos de futebol e vai parar nas mesas. O epicentro da vez é o vinho, e as discussões ocorrem no âmbito do acordo entre Mercosul e União Europeia. Os dois maiores representantes na produção de vinhos e espumantes do bloco sul-americano divergem na aplicação (ou não) de restrições tarifárias à entrada desses produtos vindos dos 28 países do bloco europeu.

Os representantes brasileiros correm contra o tempo para convencer o lado argentino a aceitar algum tipo de limitação à entrada de produtos na faixa de 3 euros, que formam o grosso das importações do bloco europeu para o Brasil, mantendo as atuais alíquotas para produtos entre 3 e 7 euros; alguma redução tarifária para produtos acima de 8 euros, e a isenção para 11 dos melhores produtos da UE. A participação de vinhos e espumantes importados do bloco europeu para o Brasil em 2017 teve peso de 39,72%, ficando atrás do Mercosul, com 59,08%.

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Barreira contra vinhos de baixa qualidade

Os argentinos defendem a liberalização total para a importação de vinhos e espumantes europeus, justificando que as compras do bloco europeu significam perto de 2% em seu país. O Brasil não impõe nenhuma barreira tarifária ou de cotas à entrada de vinhos de qualquer nacionalidade, mas está preocupado com a enxurrada de mais vinhos de baixa qualidade no mercado interno.

Do lado argentino, o impacto das importações em seu mercado tende a ser menor por um detalhe cultural: o consumidor tradicional não tem o hábito regular de beber vinhos europeus. No fundo, o maior interesse argentino é a isenção tarifaria facilitar ainda mais as vendas dos seus produtos na UE. Hoje, 80% das exportações de vinhos e espumantes do Mercosul para a UE tem origem na Argentina.

Negociações intensas até abril

No último encontro, realizadas em dezembro, em Buenos Aires, a Argentina aceitou a entrada de vinhos livremente. O Brasil não. Daí a necessidade de municiar o governo brasileiro com informações para fazer a defesa do vinho brasileiro nas negociações com parceiros do Mercosul. O placar até o momento está indefinido. A tarefa de subsidiar os técnicos brasileiros na defesa do setor vitivinícola cabe ao empresário Gilberto Pedrucci.

“O que se vê no mercado interno é a oferta de vinhos ditos baratos, na faixa de 1,2 a 2 euros a garrafa devido ao forte subsídio dado pela UE ao setor agrícola e por uma carga de impostos descente. Eles chegam aqui com preço excessivamente aviltado. Nós não temos subsídios. Temos Custo Brasil, que impede que se chegue a faixa do preço deles”, argumenta Pedrucci.

Como a UE não aceita fechar acordo se não tiver o seu vinho na pauta de negociação, é bem provável que até a realização do próximo encontro entre representantes da UE e Mercosul, prevista para abril, haja algum grau de dificuldade para chegar a um acordo dentro do Mercosul.

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Apoio brasileiro em meio a muitos interesses

De acordo com Gilberto Pedrucci, a carga tributária brasileira sobre a garrafa de um litro pode chegar a 50%, dependendo do estado. “Se nós não protegermos (o setor) ele acaba desaparecendo. Estamos importando os piores vinhos e ainda somos acusados de produzir vinhos caros”, indigna-se. Lembra que é comum o vinho brasileiro sofrer algum tipo de resistência não-tarifária para entrar no bloco europeu.

Embora o vinho brasileiro não tenha o peso econômico ao setor automotivo no contexto das negociações Mercosul-UE, Pedrucci elogia a postura dos técnicos envolvidos nas negociações. Dá ênfase ao Ministério da Agricultura. “Eles têm agido de forma exemplar, abrindo as portas para as manifestações do setor e receptivos a alterações”. Ele, porém, não se ilude: admite que há interesses em jogo, mas não joga a toalha. “Não podemos permitir que a Argentina vença o Brasil”, disse.

Supremacia chilena não encontra limite

Não há outro país no mundo que exporte mais vinhos para o Brasil do que o Chile. No ano passado entraram no mercado interno 51.246 milhões de litros, crescimento de 18% sobre 2016 (43.371 milhões de litros). O volume é 8,59% superior ao ingresso de todos os vinhos e espumantes importados da União Europeia (47.192 milhões de litros). Entre os países do Mercosul é disparado o maior vendedor para o Brasil, com participação de 73%.

Há duas explicações. A primeira é que o vinho chileno caiu no gosto do brasileiro e isso é inquestionável. “A ressalva que se faz é quanto ao excesso de produtos baratos, que chega por meio de grandes redes de supermercados”, diz o experiente enólogo Adolfo Lona, um expert do tema. “Não se trata de proibir a importação, até porque o importado faz bem para o mercado. Devemos é fazer uma seleção”, complementa Lona.

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O segundo aspecto é a alíquota zero de importações para essas bebidas em função de um acordo bilateral firmado em 2002 pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. A contrapartida chilena foi facilitar a entrada de produtos brasileiros do setor automotivo, como ônibus, implementos rodoviários e caminhões. Além do vinho, o Chile obteve vitória para exportação de pêssego em calda.

“A diferença em relação aquele momento é que antes o setor não se manifestava”, faz questão de ressaltar Gilberto Pedrucci, responsável por municiar os negociadores do Brasil nas reuniões que envolvem a discussão sobre o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

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