Search
Close this search box.

ENTREVISTA: Roberto Giannetti da Fonseca – Exportações poderiam absorver seis milhões de desempregados

Crédito: Divulgação

Em 1985, Brasil, China e Coréia do Sul exportavam US$ 25 bilhões, cada. Parece incrível, mas é isso mesmo. À época, convidado pelo jornal Financial Times para prognosticar o potencial futuro dos três, o economista Roberto Giannetti da Fonseca, não titubeou. Disse que, por ter um território pequeno, a Coreia do Sul tinha poucas chances, que a China acabara de sair da Revolução Cultural, e cravou sua aposta no Brasil, um país promissor. Passados trinta anos, a China exporta dez vezes mais que o Brasil e a Coréia, sete vezes mais.

“Nunca me arrependi tanto na vida”, admite o economista, que começou a sua trajetória no comércio exterior dez anos antes. Mas afinal de contas, por que o Brasil não se insere no mercado internacional. “Cometemos muitos erros. Erros de política econômica, de política cambial, falta de mentalidade ligada a internacionalização, enquanto que Coréia e China aproveitaram”, disse Giannetti em entrevista exclusiva à Modal. Ele lembra que em 1985 o Brasil tinha mais musculatura e experiência que China e Coreia do Sul. “Infelizmente, perdemos a corrida”, lamenta.

Mineiro de Belo Horizonte, 68 anos de idade, formado em economia pela USP, Giannetti foi responsável pelo Departamento de Relações Exteriores da Fiesp durante nove anos, atuou como presidente da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) e no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso foi nomeado chefe da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Atualmente é sócio da Kaduna Consultoria, em São Paulo. A seguir, na íntegra, sua entrevista a Guilherme Arruda.

Roberto Gianetti da Fonseca Crédito: Fabiano Panizzi
Roberto Giannetti da Fonseca Crédito: Fabiano Panizzi

Os erros cometidos nos últimos 30 anos devem ser creditados ao governo?

Parte do que acontece pode ser colocada na conta da indústria. O governo reflete muitas vezes aquilo que o setor privado pensa e faz. Mas o governo precisa proporcionar um equilíbrio macroeconômico condizente com a abertura.

Por exemplo?

Precisamos ter um câmbio competitivo. Passamos mais de uma década com câmbio apreciado, sobrevalorizado, que faz as importações ficarem baratas e as exportações caras. Num cenário assim, a indústria se protege. Na medida que tivermos um câmbio competitivo, uma agenda de competitividade que elimine os obstáculos tributários, de logísticos e tecnológicos, que hoje inibem a competitividade industrial, aí faremos a abertura de forma benigna.

O senhor imagina que o comércio exterior poderia absorver parte dos 13 milhões de desempregados?

Sem a retomada de oferta de vagas não teremos equilíbrio econômico e social. Emprego não cai do céu. Para gerar emprego precisa de investimentos e utilizar a capacidade ociosa das indústrias, que hoje é de 30%. Investimentos em infraestrutura e exportação são vetores que podem levar a retomada de emprego e ao crescimento da economia. Parte dos desempregados poderia ser convertido em vagas nas exportações.

“A demanda está lá fora, ela existe. Nós é que não estamos sabendo aproveitar”

Por que isso não ocorre?

É uma falta de imaginação, de inteligência não estar utilizando a capacidade ociosa das indústrias e a mão de obra desempregada para gerar produção e exportar. A demanda está lá fora, ela existe. Nós é que não estamos sabendo aproveitar. Se tivéssemos empregado cinco ou seis milhões na indústria, que tem efeito multiplicador no valor agregado, nos serviços, aí sim estaríamos dinamizando a economia, fazendo com que essa recuperação fosse muito mais rápida do que está sendo. A recuperação está vinda, mas a minha crítica é que está acontecendo de forma lenta, gradual. Para quem está desempregado é uma angústia.

Comércio exterior tem a ver com produtividade?

Sem dúvida. É fundamental. Se o país não tiver aumento contínuo vamos perder espaço para nossos concorrentes. Produtividade é a adrenalina que faz com que o atleta consiga superar os obstáculos.

No cenário atual, então, corremos o risco de perder mais 30 anos?

Infelizmente, nós não temos política de comércio exterior. As pessoas não têm direção, objetivos, metas. Temos que ter metas, responsabilidade, agenda de competitividade. O governo precisa ser o indutor da iniciativa privada. Ele sozinho não faz nada. Ajuda fazendo reforma tributária e investindo em logística.

“O ideal é vender valor agregado. Por que não vender conhecimento, tecnologia?”

Voltando ao ano de 1985, naquela época cerca de 70% da pauta de exportação brasileira era formada por produtos manufaturados, com alto valor agregado. Essa representatividade caiu drasticamente. Como mudar essa situação?

Nada contra as commodities. O Brasil é um grande fornecedor de minério de ferro, soja em grão e outros produtos, mas o ideal é vender valor agregado. Por que não vender conhecimento, tecnologia. Se melhorarmos nossa capacidade de gerar produtos finais com marcas próprias, prontos para consumo, vamos estar agregando o máximo de valor agregado possível na exportação. Outra coisa: falta inteligência para exportarmos bens e serviços que estão à nossa disposição.

O senhor estaria disposto a liderar uma cruzada pela retomada do Brasil no comércio exterior?

Nunca abandonei o comércio exterior. Às vezes ele é que me abandonou (risos). Passei por altos e baixos e precisamos, sim, nos mobilizar. A experiência que acumulei pode ajudar a orientar empresários. Algo interessante que não vejo hoje nos jovens são os olhos brilharem quando o assunto é exportação. Parece que é um assunto meio marginal, secundário.

Enquanto todos os países desenvolvidos passaram por um processo de exposição no comércio exterior, conseguiram alavancar as suas economias, o Brasil patinou.

O Brasil, infelizmente, é um país que continua sendo de renda média. Jamais chegará a renda alta se não tivermos competitividade e abertura ao comércio exterior.

A inserção brasileira no comércio internacional é de 1%, enquanto que a participação no PIB mundial é de 3%. Estamos ⅓ do que deveríamos ser.

Imagina se importássemos e exportássemos três vezes mais em relação ao que acontece hoje? Quanto de renda, de qualidade de vida estaríamos gerando para a população. Essa deficiência do comércio exterior é que precisamos ter para entender que a política de comércio exterior precisa ser de fato uma política chave.

A inserção mundial poderia se dar no âmbito de acordos entre blocos econômicos. Isso é viável com o Mercosul?

O Mercosul nasceu errado. Houve precipitação de criar uma união aduaneira logo num primeiro momento, porque isso pressupõe convergência macroeconômica dos países membros. Você não pode ter um ambiente em que vai compartilhar das mesmas tarifas de importação e política tarifária, tendo países que praticam políticas econômicas diferentes. Naquele momento os países estavam desalinhados do ponto de vista macroeconômico. Hoje, pela primeira vez em décadas, temos os quatro relativamente alinhados com políticas liberais, uma visão mais pragmática da economia e câmbio flutuante. É um momento que dá para conversar.

“Achar que diplomacia tem um condão da inteligência negocial, não é bem a verdade”

O senhor acredita no acordo Mercosul x União Europeia neste ano?

Ao Brasil interessa a abertura da sua economia, seja negociada, seja unilateral. Melhor que seja negociada. Então vamos negociar o limite. Acho que sai o acordo, mas o Brasil precisa ser mais pragmático nas negociações. Talvez falte certo empenho do negociador. Na minha opinião, o formato da equipe de negociação está errado. Gosto muito dos diplomatas, faço um elogio a qualidade da nossa diplomacia, mas achar que diplomacia tem um condão da inteligência negocial brasileira, não é bem a verdade. Deveríamos estar com um força-tarefa conjunta: Itamaraty, MDIC, setor privado representado pela CNI, associações de classe….

O setor privado foi convidado…

Eles chamaram mas para sentar na fileira de trás. Tem coisas que ficamos sabendo pelos jornais. O setor privado deveria estar tomando decisões, colocando definições claras de posicionamentos com interesse do país.

O comércio exterior brasileiro tem futuro?

Temos uma boa base industrial, de capital humano de qualidade, um mercado interno grande que dá escala de produção. Basta uma política de comércio exterior efetiva, consistente e permanente para a retomada das exportações. Não adianta política de comércio exterior se não tiver uma agenda de competitividade, na qual se incluem as reformas. Primeiro uma agenda de microeconomia, de produtividade, que começa a ser feita. Temos aí a discussão do cadastro positivo, que está na pauta, tem a duplicata eletrônica, a alienação fiduciária, tudo isso para reduzir o custo dos juros, melhorar o tempo para pagamento dos impostos. A reforma trabalhista é fundamental, pois ela criou uma série de novidades. E tem ainda a reforma da previdência, fundamental para o ajuste fiscal. Sem ajuste fiscal é tudo ilusão, populismo.

Um governo populista no Brasil em 2019 assusta o comércio exterior?

Sim, porque se não houver equilíbrio macroeconômico e um ajuste fiscal realizado, o governo não terá condições de manter políticas de competitividade como idealizamos. Sem equilíbrio macroeconômico todo o resto fica comprometido.

COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email
Publicidade