RS poderá dar um salto em logística, mas precisa aumentar a participação dos modais ferroviário e hidroviário, diz Sérgio Klein

Nova ponte do Guaíba vai proporcionar ganhos logísticos ao setor produtivo. Foto:Divulgação

Ainda no mandato do governador eleito, Eduardo Leite, o Rio Grande do Sul poderá dar um salto na logística com a conclusão da nova ponte do Guaíba, a duplicação da BR-116 e a concessão da Rodovia de Integração do Sul (RIS), na opinião do engenheiro Sergio Luiz Klein, coordenador executivo do PELT-RS (Plano Estadual de Logística de Transportes-RS) e do Grupo Temático de Logística do Conselho de Infraestrutura (Coinfra) da Fiergs.

Para Klein, apesar de estratégicas essas obras ainda estão longe de propiciar uma condição adequada ao estado cuja infraestrutura de transportes tem menos de 20% de sua malha duplicada. Os rios que desaguam na Lagoa dos Patos formam um complexo de hidrovias que funciona muito abaixo de seu potencial, enquanto o porto de Rio Grande continua na dependência de recursos do governo federal para serviços essenciais como a dragagem em seu canal de acesso. Já o modal ferroviário encontra-se completamente negligenciado, se não praticamente destruído pela inação e desinteresse da concessionária., diz Klein.
A seguir, leia entrevista completa a Milton Wells:

Qual deve ser a agenda do setor de logística do RS para o próximo governo em nível estadual? Entendo que a principal agenda do governo estadual para o setor de logística do RS seria a redução dos seus custos no escoamento da safra gaúcha e da movimentação de toda a sua produção industrial. Como consequência, estaria aumentando as condições de competitividade dos nossos produtos tanto para o comércio interno como para a exportação. Isso passa principalmente por uma melhor adequação da sua matriz de transporte com uma distribuição mais equilibrada dos modais, atualmente muito concentrada no modal rodoviário.

Em termos de PELT-RS, o que estaria programado entre os modais de transportes? O PELT-RS relacionou uma série de sugestões e recomendações para atuação do governo estadual ao longo dos próximos 25 anos, com investimentos nos diferentes modais de transporte. Em resumo, são propostos investimentos em 114 obras, das quais 15 são para o modal ferroviário, 17 para o hidroviário, 10 para o aeroviário e 72 para o rodoviário. Para tanto serão necessários investimento  de R$ 25,8 bilhões em rodovias, R$ 8,2 bilhões em ferrovias, R$ 2,4 bilhões em aeroportos e R$ 400 milhões em hidrovias para serem investidos até o ano 2039.

Qual deveria ser o futuro da EGR? Há notícias de que o governador eleito irá fechar a EGR. Entretanto, se isso não ocorrer, uma alternativa que poderia ser estudada é a de conceder à iniciativa privada aquelas rodovias da EGR com maior VDM e que teriam necessidade de investimentos para aumento das suas capacidades de tráfego com a respectiva cobrança de pedágio. Ficariam para a EGR as rodovias que, com um pedágio menos oneroso, pelo menos cobrisse os custos de manutenção das mesmas, a fim de evitar que elas fossem se deteriorando ao longo do tempo, como tem ocorrido com diversas estradas estaduais devido à incapacidade do estado em aportar recursos públicos para sua manutenção.

Após a ponte do Guaíba, a RIS e a BR-116, o que ficará faltando para colocar o RS entre os primeiros em infraestrutura de transportes? O estado precisará aumentar a participação dos modais ferroviário e hidroviário na sua matriz de transporte de cargas para alcançar os primeiros postos em infraestrutura no país.  Principalmente no que se refere às cargas de grande volume e maiores distâncias a serem percorridas. O PELT- RS mostrou que, no atual momento, a participação do modal rodoviário no transporte de cargas alcança 88%, enquanto que o ferroviário e o hidroviário atingem 6% e 3%, respectivamente, com o restante coberto pelo modal dutoviário (3%). Estes percentuais demonstram o desequilíbrio que a nossa matriz de transportes apresenta e a necessidade de investimentos em ferrovias e hidrovias que ainda apresentam uma ociosidade muito grande. O governo estadual poderá atuar junto ao governo federal e às agências reguladoras para que estes exijam a realização dos investimentos previstos no contrato de concessão e que fazem parte das obras preconizadas no PELT- RS. Da mesma forma acompanhar e priorizar as sugestões feitas no Plano Estadual de Logística de Transportes para o incentivo do uso da malha hidroviária já implantada na busca incessante de uma maior integração modal.
Como deve ser conduzia as negociações com a Rumo no que se refere à Malha Sul? Em consonância com a posição da Fiergs, consubstanciada na recente correspondência encaminhada ao Ministério dos Transportes e ANTT, em conjunto com a Farsul, Famurs, Fecomércio e Federarroz, defendo a ideia de que a prorrogação da atual concessão depende do compromisso da Rumo de realizar as intervenções propostas no PELT-RS. Até o momento, a concessionária não tem apresentado qualquer posição que justifique a adesão a este compromisso. Desde o início da concessão da malha gaúcha em 1997, quando a ALL, depois comprada pela Rumo, assumiu 3.159 km de linhas férreas, somente 54% destas continuam ativas atualmente, restando 46% do patrimônio público completamente negligenciado, se não praticamente destruído pela inação e desinteresse da concessionária. Ressalta-se que a origem deste problema, onde a empresa pode “escolher” onde haverá a operação do transporte ferroviário, vem do fato de que a concessão atual abrange a infraestrutura e a operação, o que necessariamente deveria estar sob controles distintos. Somente com a execução das obras e diretrizes fixadas no PELT-RS, muitas destas com o objetivo de recuperar partes da malha já existente, mas depreciada pela falta de manutenção, é que poderá se desenvolver o modal ferroviário no estado e, assim, atingir os objetivos listados para beneficiar os usuários da ferrovia e a sociedade como um todo. Espera-se que estas obras a serem realizadas na malha ferroviária gaúcha atual, e advindas dos compromissos a serem assumidos numa possível prorrogação da concessão, sejam financiadas pela própria iniciativa privada. É relevante mencionar que as obras propostas privilegiam a otimização do escoamento da safra agrícola proveniente das regiões oeste e noroeste, além das regiões industriais da Serra e Região Metropolitana, conectando-as ao Porto de Rio Grande e ao sudeste do país, diminuindo assim os custos logísticos com o transporte realizado majoritariamente pelo modal rodoviário. Por fim, na referida correspondência enviada ao Ministério dos Transportes, está colocada uma frase que sintetiza o pensamento dos signatários:  “A antecipação deste contrato nas bases atuais condenará o estado gaúcho a conviver por mais trinta anos com uma ferrovia sucateada destruindo as expectativas do seu povo de almejar um futuro de modernidade, com avanço tecnológico deste modal, hoje comum na maioria dos países do mundo.” Por outro lado, se for inviável a antecipação da prorrogação pretendida pela Rumo nos moldes apregoados, que se proceda um novo processo licitatório com o estabelecimento de regras mais claras e adequadas para o atendimento dessas necessidades.

 O PPI da PR acena com a possibilidade de implantar short lines nos trechos que foram desativados pela Rumo. Qual a sua opinião? Tenho dúvidas se o aceno do Programa de Parcerias de Investimentos para a implantação de “short lines” nos ramais abandonados pela concessionária obtenha sucesso, devido à falta de cultura ferroviária na situação atual do nosso estado. As empresas que poderiam estar interessadas, por serem as donas das mercadorias, produtoras ou cooperativas, foram abandonadas pela concessionária e perderam o seu vínculo, tendo já equacionado a sua logística de transportes por outros modais. O desenvolvimento no estado da figura do Operador de Transporte Multimodal, também defendida no PELT-RS, desburocratizaria os processos fiscais e legais envolvendo o transporte de cargas, atraindo estes possíveis clientes ou investidores nas “short lines”, os quais hoje não veem o modal ferroviário como alternativa viável. Independentemente do modo de execução do projeto das “short lines”, entendo que devem ser preservadas as linhas férreas já existentes do estado, as quais  embora estejam em grande parte abandonadas continuam constando no planejamento do PELT para o “(re)desenvolvimento” da rede ferroviária do Rio Grande do Sul.

Porto do Rio Grande continua com as suas receitas contingenciadas pelo caixa único do governo.  Qual a saída para que seus investimentos como a dragagem atual não dependam do governo federal?  Cabe salientar que a maioria dos terminais do Porto de Rio Grande já foram privatizados e que o  RS detém a delegação do governo federal para sua exploração até 2022. Creio que a partir daí possa haver negociações para a sua concessão. Entretanto concordo que os recursos oriundos das receitas portuárias devessem ser utilizados somente para investimentos e manutenções das instalações dentro do próprio porto organizado e não colocá-los no caixa único do estado, o que impede a realização de novos investimentos e tira a autonomia da autoridade portuária. Por outro lado, eu faria uma sugestão, não somente para o Porto de Rio Grande, mas para todos os portos públicos existentes no país, para que fossem concedidos os canais de acesso aos portos a fim de que estes pudessem ser dragados e mantidos com a frequência técnica exigida e evitar situações que ponham em risco a manutenção do calado oficial das embarcações que utilizam os portos, como são exemplo, Santos, Paranaguá e Rio Grande.

 Algum comentário final? Julgo importante frisar que a atividade governamental nas áreas de transportes e logística deveriam focar a sua atuação na busca de uma maior utilização da intermodalidade no transporte de cargas, ou seja, utilizar as rodovias nas curtas distâncias e no chamado “porta a porta”, onde o modal rodoviário é imbatível, mas procurar incentivar a utilização das ferrovias e hidrovias na movimentação de cargas de grande volume e maiores distâncias com a consequente redução dos custos de logística. Por sinal, a última greve dos caminhoneiros deveria servir de alerta para a exagerada dependência do país na movimentação de cargas pelo modal rodoviário e o perigo resultante dessa dependência. Como exemplo bem sucedido de operação intermodal no Rio Grande do Sul podemos citar a operação realizada pela CMPC Celulose Rio-grandense, a qual transporta toras de madeira com caminhões até o seu terminal no Porto de Pelotas. A partir daí, utiliza barcos que transportam esta madeira pela hidrovia até a sua fábrica em Guaíba e, utilizando as mesmas embarcações, carrega a celulose lá produzida até o Porto de Rio Grande para posterior exportação. Outro exemplo de operação multimodal em andamento é a movimentação de contêineres realizada no Terminal Santa Clara do Polo Petroquímico, onde as cargas são recolhidas por caminhões até um raio de aproximadamente 100 km do referido terminal e, a partir daí, enviadas para o Tecon do Porto de Rio Grande por embarcações que utilizam a hidrovia. Por fim, sugiro ao novo governo estadual, que assume a partir de 2019, para que promova e incentive a estrutura de acompanhamento do PELT-RS, a qual está sendo montada na Secretaria de Planejamento do RS, permitindo que ela execute a constante e necessária realimentação e reavaliação do Plano Estadual de Logística de Transportes. Dessa forma o governo terá em mãos um importante instrumento dinâmico de planejamento da sua matriz de transportes e poderá priorizar as obras que realmente darão um maior retorno econômico ao setor de infraestrutura aos seus escassos recursos financeiros.

 

 

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