Uma Itaipu a ser aproveitada mediante uma visão estratégica do uso da água

(*) Por Claudio Girardi, Gabriel Cotta e Yuri Schmitke

Uma boa oportunidade com ganhos sociais, ambientais, técnicos e financeiros surgiu com o advento da Lei nº 9.427/1996, que instituiu a Aneel, e inseriu-se em seu artigo 28 a disposição que criou a oportunidade para que os brasileiros, ainda que com pequeno capital, realizassem investimentos nos pequenos aproveitamentos hidrelétricos, denominados Pequenas Centrais Hidrelétricas (CH’s) e Centrais Geradoras Hidrelétricas       (CGH’s). Isso porque, antes da edição da referida Lei, os estudos de viabilidade de projetos eram realizados, exclusivamente, pelas empresas estatais federais e estaduais. Por vezes, quando algum pequeno potencial não lhes interessava economicamente, era liberado para os investidores privados. No entanto, com o advento da regulamentação pelas Resoluções Normativas da Aneel nºs 393, 394 e 395/1998, qualquer interessado passou a poder realizá-los.

Os pequenos potenciais hidráulicos há muito, encontram amparo na Constituição Federal. A atual Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 176, § 4º, que “não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida”, tornando inequívoca a simplificação de tais usinas.

Para melhor contextualização, ressalta-se que, classificam-se atualmente como CGH’s aquelas usinas construídas por autoprodutores e produtores independentes, de potência igual ou inferior a 5 MW, considerando as constantes alterações legislativas beneficiando este aumento para o devido enquadramento. Já as PCH’s, são usinas que possuem entre 5 e 30 MW de potência instalada. Ainda que existam outros critérios para o enquadramento, como o tamanho do reservatório, sabe-se que esses dois tipos de usinas operam de forma simplificada, sendo executadas por pequenos investidores ou grupos de empresários que reúnem capital para a construção desses empreendimentos.

Importante frisar que o acesso aos recursos naturais, ao longo da história do mundo, em sua grande parte, era feito apenas por grandes corporações internacionais, concentrando a riqueza nas mãos de poucos. Agora, no Brasil, no que tange ao aproveitamento dos pequenos potenciais hidráulicos, a legislação favoreceu também os pequenos. Para ilustrar o cenário brasileiro, esses recursos naturais, caracterizados pelos potenciais hidráulicos, estão localizados em todos os quadrantes do território nacional, gerando riquezas para todo o país.

Essa distribuição de riquezas no país também ocorre em razão dos procedimentos para se fornecer energia elétrica em determinadas localidades. Esses pequenos empreendimentos geram empregos desde a etapa de construção até a operação; receitas tributáveis para todos os entes públicos; proporciona a psicultura; lazer aquático; abastecimento para a agricultura; entre outros benefícios gerais, como o fortalecimento da rede de transmissão e da infraestrutura local, bem como da infraestrutura local, com pontes e estradas de acessos.

Além disso, sabe-se que o manancial de água doce no Brasil é um dos maiores do mundo. Os reservatórios hidrelétricos, por sua vez, armazenam água e regularizam a vazão dos rios. Ressalta-se que, em que pese a imensa maioria dos reservatórios brasileiros terem sido construídos para exploração da energia elétrica, a prioridade do aproveitamento hídrico é o abastecimento humano e dessedentação de animais.

O benefício trazido com a construção desses diversos pequenos reservatórios atinge inúmeros setores distintos, como, por exemplo, a área da saúde. Imaginemos a ocorrência de um derramamento de material tóxico, óleo, gasolina ou a condução de herbicidas de lavouras, pelas chuvas até os rios. Nestes acasos, e é comum acontecer, o grau de toxicidade desses elementos exemplificados será diluído naturalmente ao chegar nos reservatórios, ocorrendo uma espécie de decantação, o que irá diminuir o grau de perigo no consumo da água de todos os seres à jusante das hidrelétricas. Neste ponto, as CGH’s e PCH’s contribuem totalizando 1.129 usinas, conforme dados de 2019 da Aneel.

Analisando o tema mediante uma visão elevada, nota-se que esses pequenos agentes precisam ser estimulados, até porque, atualmente, são eles os responsáveis por 3,7% de toda a energia gerada no Brasil, o que representa, dentre as usinas hidrelétricas, mais de 5% do total da energia produzida. A representação numérica pode parecer abstrata ou até mesmo, para alguns, insignificante. No entanto, cabe observar que tais usinas poderiam abastecer, por exemplo, o equivalente a oito vezes o total de residências de uma cidade como Curitiba/PR.

Além disso, segundo dados do Plano de Expansão de Energia Elétrica (PDE  2030), divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética, a capacidade das PCH’s e CGH’s em 2020 era de 3,7%, conforme citado. Enquanto isso, para ter uma ideia, a capacidade de Itaipu (50% brasileiro) é equivalente a 4%. Nota-se, portanto, que em breve as pequenas usinas, quando somadas, irão ultrapassar toda a capacidade da usina de Itaipu. Esta é a previsão do PDE 2030, que aponta perspectivas das pequenas usinas representando 3,8% em 2030, ao passo que Itaipu representará 3%. Esse fator de crescimento ocorrerá porque, ainda que atualmente a matriz brasileira seja majoritariamente hidráulica, não utilizamos nem mesmo 40% do potencial hídrico total do país. O Brasil é fortemente beneficiado pelas características físicas, em especial a extensão territorial e a riqueza hídrica, atuando como uma gigante bateria nacional, o que gera a estimativa de que tal fonte continuará sendo de suma importância para o Setor Elétrico Brasileiro.

A título de exemplo, cabe mencionar que, por mais de uma década, esses pequenos potenciais não conseguiam, com raras exceções, serem construídos. Por um lado, o preço dos leilões privilegiava as UHE’s e usinas de outras fontes mais baratas. Noutra senda, o excesso de rigor ambiental inviabilizava seus cronogramas. Entretanto, já é perceptível certa mudança em relação à redução da enorme rigidez por alguns órgãos ambientais estaduais em casos de licenciamentos, como já ocorre, por exemplo, no Rio Grande do Sul, que por meio do seu órgão ambiental (Fepam), editou normas, em 2018, sinalizando por cores quais os empreendimentos teriam o licenciamento simplificado. Já o Estado de Goiás, passou a autorizar que o empreendedor emita uma autodeclaração ambiental, transferindo a ele a responsabilidade, o que fará com que a autodeclaração seja precedida de sólidos estudos. Pode-se citar também o Estado do Paraná, que editou regras uniformes e simplificadas para o licenciamento ambiental de pequenos empreendedores. Em todos esses exemplos, trata-se de mudanças continuas, que se espera que sejam seguidas por outros estados da federação.

Movimentos evolutivos, como o desses órgãos ambientais, merecem cada vez mais destaque e divulgação, pois as usinas de pequeno porte, construídas geralmente a fio d’água, são demasiadamente menos prejudiciais ao meio ambiente. Seus reservatórios são projetados em dimensões adequadas, sendo o impacto cuidadosamente minorado com os reservatórios em dimensões adequadas.

Utilizando como exemplo a já citada Itaipu, enquanto a instalação da Usina desenvolveu especialmente a cidade de Foz do Iguaçu e seus arredores, as PCH’s e CGH’s também são capazes de gerar a mesma energia, com os impactos reduzidos, divididos por todo o território nacional, além contribuir com um desenvolvido social mais equilibrado, já que os empreendimentos estão disseminados, proporcionando a distribuição de oportunidades em todo o país.

O que se espera, portanto, é a continuidade dos incentivos aos pequenos potenciais hidráulicos, tendo em vista se tratar de fonte de energia limpa e renovável, além dos diversos benefícios sociais citados neste artigo. Além disso, conforme previsão do Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica, há previsão do aumento da capacidade instalada de geração de 176,2 para 231,3 GW, ao passo que, espera-se dos pequenos potenciais a mudança de 6,6 GW para 8,9 GW, o que só será possível e viabilizado mediante esforços mútuos.

Além de todos esses dados apresentados, existe o potencial aproximado e ainda não aproveitado de 14 GW de potência instalada, equivalente a uma nova Itaipu, sendo que 7 GW já teriam sido inventariados e aguardam licenciamento ambiental e outorga de autorização por parte da ANEEL. Esse potencial merece incentivos por meio de uma visão estratégica do uso da água, para que potencial hídrico brasileiro seja adequadamente aproveitado.

*Claudio Girardi é advogado, sócio fundador da Girardi & Schmitke Advogados e ex-procurador-geral da ANEEL (1997-2008).

* Gabriel Cotta é advogado, sócio da Girardi & Schmitke Advogados, graduado pelo Uniceub.

* Yuri Schmitke é advogado, sócio da Girardi & Schmitke Advogados, mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Uniceub.

 

 

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