“Uso de bioindicadores no monitoramento de obras será cada vez mais frequente”

Mozart da Silva Lauxen Divulgação/Ibama

Entrevista a Milton Wells

O uso de bioindicadores no monitoramento da BR-285 é uma tendência que deve ser adotada de forma cada vez mais frequente em todos os tipos de empreendimentos, devido ao fato de agregar informações com maior significado em relação a simples coleta de parâmetros físico-químicos, refletindo de forma mais consistentemente a qualidade ambiental do local avaliado, sustenta o biólogo Mozart da Silva Lauxen do núcleo de licenciamento ambiental da superintendência estadual do Ibama-RS.
Nesta entrevista à MODAL, o analista ambiental discute as experiências da Rota do Sol, do Rio Grande do Sul, suas semelhanças com a obra da BR-285 e a capacidade dos organismos utilizados como bioindicadores de comprovarem eventuais alterações no ambiente.
“Espera-se que cada vez mais a sociedade perceba o processo de licenciamento ambiental não como um mero entrave burocrático, mas como uma etapa de planejamento e de controle na qual são previstos os impactos e pensadas soluções para que as obras de interesse da sociedade sejam realizadas” , afirma Lauxen.

O que o Ibama considera como aprendizado no caso das obras da Rota do Sol?
A Rota do Sol foi uma das primeiras rodovias licenciadas no Brasil, tendo iniciado sua análise no começo da década de 1990 pelo órgão estadual de meio ambiente. Devido ao impasse criado pela grande polarização entre grupos ambientalistas e aqueles que defendiam a implantação da rodovia, a condução do processo foi repassada ao Ibama em 1997. Entendo que foram adequadamente evitados ou compensados os impactos desta obra, que se insere em região da Mata Atlântica extremamente sensível sob o aspecto ambiental. Soluções discutidas e consensuais no processo de licenciamento, como a definição de um traçado racional, a adoção de túneis e viadutos em locais críticos, a criação da área de proteção ambiental da Rota do Sol com o objetivo de regular o desenvolvimento no entorno da rodovia, e a implantação de medidas de proteção à fauna foram iniciativas pioneiras e decisivas no processo. Eventualmente, pecou-se até por excesso, prevendo-se a implantação de postos de controle de tráfego e cargas perigosas que demandam estruturas físicas e de pessoal que se mostraram de difícil implantação em uma rodovia sem pedágio e com as dificuldades financeiras por que passa o estado.

De que serviu essa experiência em relação às exigências que estão sendo adotadas agora nas obras da BR-285?
Por apresentar características de paisagem semelhantes, muitos dos aspectos essenciais da Rota do Sol também o são na BR-285, especialmente no segmento da descida da serra. A necessidade de controle rígido no processo de desmonte de rochas e o cuidado com a estabilização das encostas, desde a fase de projeto, são considerados nossas maiores preocupações, tendo sido igualmente aspectos críticos durante as obras da Rota do Sol.

A obra da BR-285 é a primeira em que se aplica o programa de bioindicadores?
No âmbito do monitoramento de rodovias, com o objetivo de se avaliar a qualidade ambiental das águas, é um dos primeiros casos que tenho conhecimento. Entretanto, a utilização de bioindicadores é comum na avaliação da eficiência de sistemas de tratamento de esgoto e para avaliação de bioacumulação, especialmente de metais pesados. Todos conhecem a importância de se verificar a quantidade de coliformes fecais na avaliação da qualidade das águas. E a Escherichia coli nada mais é que um bioindicador, com abundância proporcional ao grau de contaminação da água. Instituições reconhecidas como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), recomendam enfaticamente sua utilização.

Qual o objetivo desse programa?
Tradicionalmente os programas de monitoramento de impacto de aspectos físicos, como água, ar e solo, são realizados com a análise direta de parâmetros físico-químicos, como temperatura, pH, condutividade e teores de minerais e óleos e graxas, por exemplo. Esses são normalmente o reflexo de uma situação momentânea e não de uma condição contínua da qualidade do ambiente analisado. Já os bioindicadores propiciam avaliar a extensão de eventuais alterações nas condições deste ambiente, refletida na variação na composição ou na proporção de espécies. Os organismos utilizados como bioindicadores da qualidade dos cursos d’água do entorno da BR-285 são de um grupo chamado macro invertebrados bentônicos, ou seja, pequenos animais que vivem no substrato desses córregos. A análise desses bioindicadores ao longo do tempo, em pontos que não recebem nenhuma influência das obras e naqueles que potencialmente podem ser afetados pelas obras, seja pelo aumento na quantidade de sedimentos, na velocidade das águas ou contaminação química, por exemplo, poderá demonstrar se ocorreu ou não impacto significativo em decorrência da implantação da rodovia.

Pode ser uma tendência entre as exigências do Ibama daqui para frente?
Acredito que seja uma tendência sua adoção com maior frequência em todos os tipos de obras, pois agregam informações com maior significado em relação a simples coleta de parâmetros físico-químicos, refletindo mais consistentemente a qualidade ambiental do local avaliado.

Quais as maiores preocupações ambientais nas obras da BR-285?
Além da questão de instabilidade de encostas, resultado das características geomorfológicas da região, os endemismos também são frequentes, dadas as peculiaridades topográficas e climáticas. Portanto estão sendo desenvolvidos programas voltados à identificação, resgate e transplante de vegetais que só ocorrem naquela região. Sob o aspecto da fauna, foram previstas adequações visando à transposição segura da rodovia pelos animais em locais que potencialmente são corredores de movimentação. Como o licenciamento ambiental também considera a relação do empreendimento com o ser humano, a previsão de implantação de uma variante desviando da área central de Timbé do Sul, e a obrigatoriedade de construção de calçadas nos trechos urbanizados, irão possibilitar uma relação mais harmônica entre a rodovia e a população local. Espera-se que cada vez mais a sociedade perceba o processo de licenciamento ambiental não como um mero entrave burocrático, mas como uma etapa de planejamento e de controle na qual são previstos os impactos e pensadas soluções para que as obras de interesse da sociedade sejam realizadas potencializando-se os benefícios e prevenindo-se os riscos e danos à fauna, à flora e às pessoas. Exemplos do que pode acontecer quando isto é negligenciado não nos faltam

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