O que levou o RS à ridícula posição de 18º lugar em infraestrutura no Ranking de Competitividade 2017 dos estados / SEGUNDA PARTE

Daniel Andrade assina autorização para melhorias dos aeroportos regionais em 25.03.2009/Foto Itamar Aguiar

O engenheiro Daniel de Moraes Andrade, ex-secretário de Infraestrutura do governo Yeda Crusius (2007-2010), em entrevista à MODAL faz um histórico de um dos maiores programas de infraestrutura lançados pelo estado – o Duplica RS– que acabou inviabilizado por divergências ideológicas entre o partido que governava o estado, o PSDB, e o governo federal, na época em que Lula era o presidente.

O programa Duplica RS

Duplica RS, apesar do nome voltado para o setor rodoviário, era um amplo plano de melhorias de infraestrutura no setor rodoviário, navegação interior e aeroportos regionais. Era um macro programa que tentava resgatar, dentro de um conceito de melhorias dos modais, os anos em que os investimentos foram reduzidos nas principais rodovias do estado em razão do modelo de concessão original de 1997, que foi a primeira experiência brasileira, juntamente com São Paulo e o Paraná. O fato é que o modelo adotado no governo de Antonio Britto deu prioridade aos interesses empresariais locais. Como o estado tinha uma debilidade de recursos muito grande, pois vinha acumulando déficits, os investimentos não atenderam as necessidades porque as empresas gaúchas não tinham porte suficiente para investir. Lembro que, na época, a maior empresa gaúcha de infraestrutura rodoviária estava em 48º ou 50º lugar no ranking brasileiro por faturamento. Por que estou dizendo tudo isso? Porque o modelo dos polos rodoviários de 1997, ao privilegiar o interesse das empresas locais, teve de ser acanhado por falta de capacidade dessas empresas de contrair financiamentos para investimentos de maior porte. Esse foi um dos fatores que nos levou a pensar o Duplica RS. O que fez o Paraná, na mesma época em que foi lançado o programa de concessão deles? O Paraná exigiu que o programa de concessões incluísse pelo menos dois mil quilômetros de duplicação. Até hoje nós não temos, no RS, 500 quilômetros duplicados. Só no programa de concessão do Paraná duplicaram dois mil quilômetros de rodovias. Isso obrigou as empresas paranaenses locais a trazer grandes grupos para viabilizar os financiamentos, enquanto o RS ficou em um modelo regional. Os editais foram acanhados. O modelo não foi de outorga em dinheiro para o estado, foi de outorga em manutenção de quilômetros de rodovias vicinais aos polos.

A ideia

A ideia do Duplica era reformular esse conceito antes do encerramento do prazo das concessões. Colocar os investimentos necessários por conta da iniciativa privada que assumiria esses investimentos e seria ressarcida pela tarifa de pedágio como era o modelo anterior só que sem obras de duplicação, sem grandes investimentos, unicamente de manutenção de rodovias. Ao fazer isso no momento em que o estado acumulava três  décadas de déficits, o que nos valemos para propor o Duplica RS? Nós nos valemos da lei de concessões ainda em vigor hoje e dos contratos que previam prorrogação de prazos como forma de manter o equilíbrio econômico-financeiro  no caso de alterações do escopo. Como fez o Olívio Dutra que reduziu tarifa e gerou um desequilíbrio econômico-financeiro para compensar com prazo, o que nunca foi assinado sem que as empreiteiras viessem a reclamar. Quando o governo Yeda Crusius assumiu havia a reivindicação das concessionárias sobre a questão da dívida, mas nós conseguimos reduzi-la pela metade, conseguimos colocar mais 350 quilômetros de duplicação e reduzir a tarifa em 30%. Incluímos ainda no Duplica a construção de 52 novos viadutos em cruzamentos, 200 quilômetros de terceiras e quartas faixas e mais 350 quilômetros de duplicação. A primeira obra seria a RS- 040 que estaria pronta no segundo ano. Duplicação até Pantano Grande, até Camaquã, e tantas outras obras que estão discutindo hoje, como a RS 118. Nesse programa, incluímos um plano diretor aeroviário regional de todos os aeroportos regionais do estado, o que foi realizado em parceria com uma empresa norte-americana. Nós concluímos o aeroporto de Vacaria, padrão internacional de carga, e fizemos o estudo da reutilização hidrovia que são mais 900 quilômetros em parceria com o governo holandês. Começamos uma primeira operação de carga que foi desestimulada pelo governo seguinte. Por que não avançou  Por uma questão ideológica, fundamentalista, por culpa do PT, mas também de empresários do setor de uma entidade chamada Sindicato das Empresas Transportadoras de Cargas do Rio Grande do Sul (Setcergs), que foi a grande financiadora do combate a qualquer coisa que se referisse a pedágio no Rio Grande do Sul. Ela financiou todo o fundamentalismo. Não havia justificativa técnica, eram factoides. Começou com Britto é o pedágio, Olívio é o caminho Essas coisas fizeram com que nunca se avançasse em infraestrutura no Rio Grane do Sul. Não houve percepção sobre o futuro, do benefício da sociedade, não houve a despolitização necessária para se criar um programa de Estado.  Entro agora nessa nota do ranking dos estados em que o RS ficou abaixo da média nacional em infraestrutura. O  que se constata é que não estamos preocupados em criar políticas públicas voltadas para o bem comum da população, políticas de Estado e não do governante de ocasião. A ideia é chegar ao poder com discurso fácil, eleitoreiro para se eleger, que engana as pessoas. É óbvio que o melhor dos mundos é um mundo sem pedágio. Ninguém gosta de pagar pedágio, mesmo que ele tenha ambulância, assistência 24 horas, guincho, mecânico, pista duplicada, sinalização. Mas o fato é que não há condições de se investir em infraestrutura sem a participação do usuário ou da parceria com a atual crise. Os estados, depois da Constituição de 1988, ficaram com grande parte de suas receitas vinculadas à saúde e à educação, fora as corporações que mataram o Estado brasileiro. Resultado: não existem recursos públicos disponíveis para investimentos e o RS é um dos estados que mais sofrem com isso, haja a vista as obras da BR-116, da nova ponte e tantas outras.

Como foi que sabotaram o Duplica RS

O Programa incluía 2 mil quilômetros com pedágios, mil eram federais, os únicos que tinham VDM (Volume Diário Médio) que, no governo Britto, foram cedidos pelo governo federal para viabilizar as concessões de 1997. Havia uma cláusula nesse convênio que dizia que a qualquer momento uma das partes poderia renunciar ao contrato, o que faria com que as rodovias federais voltassem para a União e as estaduais para o estado. O que aconteceu?  Eles não anuíram o convênio. O PT daqui foi a Brasília,  a Dilma Rousseff, da Casa Civil,  ligou para o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que não avalizou o convênio que teve de ser retirado da Assembleia Legislativa.  O governo tomou pau da RBS e da mídia em geral porque se criou o factoide da prorrogação de prazos sem licitação, o que era previsto em lei. O que nos cabia fazer no caso do desequilíbrio econômico-financeiro das concessionárias? Nós  transferimos para a esfera federal que poderia pagar a dívida pois tinha muito mais capacidade do que o estado. O governo federal foi obrigado a rever esse desequilíbrio, mas não fez nada, não fiscalizou. O próprio Daer deixou de ser concedente naquele momento. Entra o governo Tarso Genro e qual a primeira coisa que ele faz?  Pede as rodovias federais de volta para extinguir os pedágios. O que fizeram? A EGR, uma empresa estatal que não tem socorro. Se nos já estamos duas décadas atrasados em obras de infraestrutura, vamos ficar mais uma. As rodovias federais que voltaram para o governo federal  até hoje não receberam investimentos. O que salvou o RS foi a queda do nível de atividades, a recessão provocada pela crise. É só o Brasil voltar respirar que nós vamos sentir os efeitos da falta de infraestrutura rodoviária. Vai ter que voltar o pedágio. O pedágio vai voltar, mas não será nesse governo. É preciso ter peito para fazer. E só uma Yeda Crusius é capaz de fazê-lo. Por 30 anos e dois mil quilômetros de duplicação.

Programa tinha três eixos

O Duplica RS tinha por sustentação três eixos: justiça tarifária, estradas de qualidade e participação da comunidade com a criação dos Conselhos de Usuários.Tinha por finalidade também a consolidação dos desequilíbrios da equação financeira dos contratos de concessão apurados até dezembro de 2007; a redução da tarifa básica; alterações na extensão das concessões com exclusão e incorporação de trechos rodoviários; prorrogação da vigência dos contratos de concessão por igual período. A prorrogação do prazo de vigência dos contratos de concessão rodoviária em tela tem por fim cumprir exigência constitucional e legal de recomposição da equação financeiro-econômica a ser rompida com as alterações e modificações dos encargos, bem como a consolidação dos desequilíbrios da equação financeira dos contratos de concessão apurados até dezembro de 2007, conforme estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas.
Lançado em 2008 por meio do projeto de Lei 279, previa R$ 4,3 bilhões em investimentos públicos e privados e seria executado em 10 anos. Por ocasião da retirada do projeto da Assembleia Legislativa o deputado Paulo Azeredo (PDT) sugeriu que o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, recebesse o título de Cidadão Gaúcho “por ter livrado o Rio Grande do Sul do prejuízo nas próximas duas décadas.”

 

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